null Entrevista Nota 10: Dayse Barreto e o universo criativo da direção de arte no Cinema

Qua, 2 Junho 2021 16:12

Entrevista Nota 10: Dayse Barreto e o universo criativo da direção de arte no Cinema

Formada em Cinema e Audiovisual pela Unifor, diretora de arte destaca a importância da pesquisa na realização das produções cinematográficas


Dayse Barreto assinou a direção de arte dos filmes “Com os Punhos Cerrados”(2014), “A Noite Amarela” (2019) e “Cabeça de Nêgo” (2020) (Foto: Divulgação)
Dayse Barreto assinou a direção de arte dos filmes “Com os Punhos Cerrados”(2014), “A Noite Amarela” (2019) e “Cabeça de Nêgo” (2020) (Foto: Divulgação)

Das ideias do papel à concretude, na direção de arte cinematográfica o conceito visual caminha por uma longa jornada de pesquisas, referências e aprendizados. Para Dayse Barreto, diretora de arte graduada em Cinema e Audiovisual pela Universidade de Fortaleza, a mescla entre as mais diversas linguagens artísticas tem papel fundamental em suas realizações.

Estimulada pelo ímpeto da curiosidade, que a acompanha desde a infância, a jovem diretora dedicou seu período de formação à participação em cursos, oficinas e processos criativos. Em São Paulo, aprofundou o desejo de estudar história da arte, figurino, cenografia, desenho arquitetônico e modelagem 3D

Com exclusividade ao Entrevista Nota 10, Dayse destaca o valor educacional do Cinema, fala sobre a participação feminina na produção nacional e adianta as novidades de seu próximo trabalho. Leia na íntegra: 

Entrevista Nota 10 - Como se deu sua escolha pela carreira em Cinema? Desejava ter uma formação na área desde cedo? 

Dayse Barreto - Eu não fui uma criança com gostos comuns. Eu sempre me interessei pelo sujo, pelo torto, pelo que não tem uma explicação lógica ou fácil. Como uma pessoa curiosa e corajosa, eu não tive medo de descobrir o que me interessava na vida porque o que eu via era muito maior do que me apresentaram à primeira vista, a paixão pelas estranhezas, pelos cantinhos. Com o cinema foi a mesma coisa. Comecei a assistir muitos filmes durante a adolescência, um filme levava a outro e a outro e a outro. Os filmes me levaram à literatura, a literatura me levou à pintura, a pintura me levou a fotografia, e por aí vai. Após cursar alguns períodos da faculdade de Direito e participar da realização de alguns filmes, abandonei o curso e me dediquei integralmente a trabalhar e estudar cinema.

Entrevista Nota 10 - Você assinou a direção de arte nos longas “Com os Punhos Cerrados”(2014), “A Noite Amarela” (2019) e “Cabeça de Nêgo” (2020). Como foram as experiências e como surgiu o interesse pela direção de arte? 

Dayse Barreto - Foram experiências bem distintas, mas de grande importância na minha vida. "Com os Punhos Cerrados" foi o primeiro longa que eu assinei a direção de arte ao lado de Thaís de Campos, artista que eu admiro muito e com quem trabalhei em diversos outros filmes. Um filme produzido pela Alumbramento, produtora que foi e ainda é uma grande referência quando falamos de cinema brasileiro contemporâneo e, por isso também, foi , além de trabalho, um enorme aprendizado em um processo colaborativo de descoberta pela imagem que queríamos construir. Nos reunimos diversas vezes para trocar referências, pesquisas, impressões, e, a partir disso, dessa troca, estabelecer por quais caminhos iríamos seguir. "A Noite Amarela" foi a minha primeira parceria com o Ramon Porto Mota. É um filme paraibano de terror psicológico e tínhamos, eu e a fotógrafa, Flora Dias, o desafio de trazer o obscuro, a construção do medo do subconsciente, a atmosfera irreal e o fantástico para a cinematografia. A pesquisa passou de Val Lewton, Dario Argento e Jaques Tourneau a slashers contemporâneos americanos adolescentes, das obras de Caspar David Friedrich a desenhos da Grimes, de Patti Smith a Wesley Safadão. Tudo isso vem como uma forma de criar um entendimento sensível de mundo para esses personagens, é preciso que o espectador se aproxime deles, não por reconhecimento, mas por respeito a um tipo de trajetória. O "Cabeça de Nêgo", filme do Déo Cardoso, é um filme que eu tenho muito carinho, que me aproximou de Bell Hooks, Angela Davis, Patricia Hill Collins, Audre Lorde, Franz Fanon e diversas autoras e autores para analisar a evolução política e os movimentos anti racistas, movimentos populares, movimentos estudantis. Era preciso conhecer profundamente também aquele contexto de alunos secundaristas que se mobilizaram em 2015, conhecer as causas de consequências de um evento histórico como o que acontece no filme. Aliados aos autores citados e aos vídeos sobre os movimentos estudantis, as fotografias da Deana Lawson, os filmes blaxploitation (Killer of Sheep, Sweet Sweetback's Baadasssss Song) e as músicas dos Racionais Mc's foram de fundamental importância para a construção da cinematografia desse filme.

Entrevista Nota 10 - Como avalia a participação feminina nessa frente? Temos um número considerável de diretoras de arte nas produções nacionais hoje? 

Dayse Barreto - Sim, temos um número considerável de mulheres, inclusive, fazemos parte do BRADA, coletivo de mulheres, pessoas trans, não bináries e quaisquer outras formas de expressão de gênero minoritárias. Nos últimos anos a presença da mulher cresceu consideravelmente no mercado, sobretudo no departamento de arte. Mas, apesar da maioria entre os profissionais, a participação feminina não se reflete em projetos com maior visibilidade e orçamento, ainda em grande parte liderados por homens cis brancos. Não se reflete também nas contratações, remunerações, premiações e valorização profissional. Ainda somos atravessadas pelo machismo em diversos momentos dentro da produção de um filme, ainda precisamos lutar pelo reconhecimento e a valorização do nosso trabalho. Mas estamos, mais do que nunca, conscientes, ativas e articuladas para que essas práticas de preconceito e discriminação façam, cada vez mais, parte do passado.

Entrevista Nota 10 - E o aprofundamento na pesquisa? É fundamental para a direção de arte? 

Dayse Barreto - A pesquisa é o seu norte, de onde você coleta informações, textos, imagens (pintura, fotografia, frames, desenhos, rabiscos), sons (Eu me guio muito pelas músicas, escolho uma trilha para cada filme) e cria uma arte com novos usos e novos significados. É nesse lugar que você faz escolhas que servem a dramaturgia, que você traz do seu repertório pessoal e para a direção de arte, seu olhar sobre as coisas e o mundo.

Entrevista Nota 10 - Falando um pouco sobre o atual cenário de pandemia no qual estamos inseridos… Como você acredita que o Cinema tem lidado com tantos desafios? 

Dayse Barreto - O cinema não é só cultura, é educação. Uma forma de ensino e de aprendizado muito valiosa. A cultura, por si só, não é, nem de perto, uma prioridade durante esse governo. Além de todos os desafios impostos por protocolos de sobrevivência durante uma pandemia, precisamos lutar diariamente contra a política federal de diminuição da cultura brasileira a padrões religiosos, preconceituosos e excludentes, para que a prática de censura e sucateamento de profissionais e patrimônios não se concretize, para que não sejamos diminuídos e tenhamos o trabalho inviabilizado. Estamos à beira de um colapso, sem recursos, sem apoio, com cortes e censuras. O nosso maior desafio enquanto profissionais do audiovisual no Brasil é permanecermos vivos, sãos e atuantes exercendo a nossa profissão em tempos de cegueira e ignorância.
  
Entrevista Nota 10 - Você está realizando algum filme atualmente?

Dayse Barreto - Sim. Estou em pré-produção de um longa metragem de ficção infantil com o título provisório “Gato Galáctico em O Acampamento Intergaláctico''. É o terceiro filme que faço direção de arte em parceria com o Fabrício Bittar, diretor do filme, e fico muito feliz em realizá-lo porque podemos criar um mundo todo a partir do olhar de uma criança: tudo é possível e nada tem um só significado. Ao mesmo tempo que é um grande desafio, é uma bela aventura  deslocar o olhar duro e direcionado de nós, adultos, para a vivência de criação de uma fábula intergaláctica. 

Entrevista Nota 10 - Para finalizar: que dica você deixa para os jovens que sonham em trabalhar com Cinema? 

Dayse Barreto - Sejam curiosos e não tenham medo. Nunca deixem de estudar e aprender. Estejam atentos a permanecer a desistir também, faz parte do percurso. O cinema existe há mais anos do que podemos contar, toda história já foi contada, diversas vezes, de diversas formas, mas nem por isso ele deixa de ser um fenômeno.