null Estudar é para a vida toda

Ter, 24 Agosto 2021 15:36

Estudar é para a vida toda

Já ouviu falar em “lifelong learning”? Entenda como esse conceito estimula a continuidade dos estudos de forma dinâmica 


Para além dos diplomas: o
Para além dos diplomas: o "lifelong learning” instiga uma postura aberta na busca por conhecimento (Ilustração: Getty Images)

Lifelong learning. O termo é tendência e o conceito pode ser traduzido quase ao pé da letra: uma vida inteira de aprendizado e estudos permanentes, um processo de qualificação contínuo que vai além da conquista do diploma e das próprias demandas de mercado. Na Universidade de Fortaleza, instituição vinculada à Fundação Edson Queiroz, todas as condições estão dadas para que estudantes das mais diversas gerações e áreas de conhecimento avancem e enriqueçam suas jornadas formativas. Tudo porque, segundo a coordenadora da Pós-graduação da Unifor, Christina Praça, o papel das instituições de ensino é justamente o de incentivo e provocação, fomentando processos de aprendizagem que podem inclusive não se restringir ao ensino formal. 

Na Unifor, portas abertas à educação continuada. “Temos mais de 80 cursos de especialização/ MBA, 11 cursos de pós-graduação stricto sensu, com cinco programas de mestrado e doutorado, um mestrado acadêmico e cinco mestrados profissionais”, elenca Christina. Robusta, a estrutura vem crescendo na medida em que a dinamicidade do mercado profissional e as próprias demandas trazidas por alunos e alunas exigem aprimoramentos técnico-científicos e o desenvolvimento de competências sócio-emocionais. “Criamos uma grande rede integrada de ensino, pesquisa e extensão para dar suporte a esse aprendizado que não cessa e ainda é costurado ao longo da vida por cursos de curta-duração e a possibilidade de pós-docs a cada dois anos”, emenda. 

Para Christina, o desenvolvimento de novas habilidades profissionais que impactem positivamente no ambiente de trabalho está sim entre os principais motivos para se adotar o lifelong learning. Mas ela lembra que também é de ordem pessoal e intransferível a necessidade de expansão dos horizontes cognitivos. “Na Unifor, desde a graduação, os discentes são estimulados a pensar fora da caixa, a buscar soluções para problemas reais. Queremos que encarem seus projetos de pesquisa e TCCs como instrumentos de transformação da realidade. Para isso, inovação e criatividade estão sempre na ordem do dia em sala de aula e nossa infraestrutura deve abrir caminho para essa formação que também é comportamental e ideológica, além de técnica ou tecnológica”, afirma. 

“Quando estimulamos a qualificação continuada também estamos oferecendo ferramentas capazes de moldar visões de mundo, outras formas de perceber e lidar com as situações de foro íntimo ou ligadas ao trabalho” -  Christina Praça, coordenadora de Pós-graduação da Unifor. 

Ela própria nunca parou de estudar. “Costumo dizer que comecei no maternal e sigo até hoje. Estudo diariamente, do acordar ao deitar. A gente não estuda só lendo artigos, mas aplicando o conhecimento na vida”, aferra a fonoaudióloga que fez três especializações, mestrado em São Paulo na área de distúrbios da comunicação humana, doutorado em Saúde Coletiva na Unifor e pós-doutorado na Universidade do Porto, em Portugal. “Já na minha graduação na Unifor fui bolsista de iniciação científica e hoje tenho como meta, todos os anos, fazer de quatro a cinco cursos de curta duração, além de manter interlocução frequente com pessoas da minha área que agregam conhecimento em grupos de estudos. Tudo isso só me trouxe crescimento pessoal e profissional. Sou a pessoa que sou hoje, docente, pesquisadora, mãe, esposa, filha, cidadã, porque tenho uma base de formação que me respalda e me impulsiona a sempre querer ser mais e melhor”, conclui Christina.   

Leia mais

A pedagoga e doutora em Educação, Xênia Diógenes, lembra bem que, na década de 1980, quando se graduou, chegar à universidade era como alcançar o topo de um processo formativo. “Pronto: o diploma de graduação era tudo o que se tinha em mente – e bastava. Havia também aquela separação clara: primeiro você se forma e depois trabalha. Lógico que estou falando do lugar de uma classe social remediada e de um contexto regular. Mas, para nós, era como se o mundo do trabalho fosse preencher todas as necessidades e responder a qualquer problema futuro. Isso muda na década de 1990, com a expansão das especializações, a criação de mestrados e doutorados. Foi uma mudança cultural, na dimensão do simbólico, que nos fez entender que escola e trabalho não estão separados, eles se misturam e são complexos ambientes de aprendizagem”, contextualiza. 

“Aprendemos que tínhamos que dialogar com outras áreas de conhecimento e essa conexão entre os saberes nos levou a trabalhar de forma mais integrada. Buscamos o pensamento transverso e passamos a educar dessa forma, estimulando esse diálogo e essa formação transversal que não deve cessar” - Xênia Diógenes, doutora em Educação e professora do Centro de Ciências da Comunicação e Gestão da Unifor. 

No ritmo lancinante da globalização, a sociedade conectada teve que reaprender a aprender, sentenciando: a produção do conhecimento deveria acompanhar as transformações socioculturais. E assim é que a aprendizagem ao longo da vida se impôs como necessidade premente, afinada à ideia de uma educação inovadora.  “Já não dava mais para ficar satisfeito somente com a graduação diante das exigências do capital e dos desafios laborais trazidos com o século XXI. As formas de conhecer mudaram e o modo de fazer Ciência também”, destaca Xênia.  

Movimento ininterrupto: da primeira infância até a velhice. “Quem acha que não deve voltar aos bancos escolares está fadado a se descolar da própria vida social e não só laboral. Tenho mestrado e doutorado em Educação, mas recentemente fui convidada pela Unifor para fazer um MBA sobre Educação Transformadora. E o interessante é que a cada aula percebo o quanto eu não sei e ainda tenho o que aprender. Tenho 53 anos, uma trajetória acadêmica, sou pesquisadora e me sinto uma adolescente em sala de aula quando descubro algo novo. É muito chato sentar para conversar com uma pessoa e ela não ter repertório, não conseguir desenvolver um assunto... e é maravilhoso quando você conversa com alguém que fala sobre política, costumes, mídia, moda, comportamento, que consegue dialogar com o mundo e os acontecimentos. A conversa vira um lugar de descoberta. Ter repertório é criar um acervo cultural, estruturar um portfólio diverso e aberto a inovações. Isso faz de você um profissional diferenciado e o coloca em um lugar de 
destaque e significado. Mas isso só acontece se você encarar a leitura e o estudo como uma condição ininterrupta da vida”, defende. 

Uma característica inata. Ou talento natural. Para a psicóloga Mycaella Nunes, 37, a irrefreável vontade de estudar a acompanha desde a infância. “Tem uma fala minha que, ainda criança, ficou marcada em família... eu disse que no dia em que fosse morrer preferia que fosse à noite ou pela manhã, porque à tarde eu queria ir para a escola. Ou seja, estudo e leitura sempre foram muito prazerosos pra mim”, ri-se a mestra e doutora que hoje cursa pós-doutorado na Universidade de Fortaleza, aprofundando pesquisas ligadas à violência sexual contra crianças e adolescentes.

Incentivada em sua vocação pelos pais e mestres, ela lembra que desde a graduação aproveitou ao máximo cada experiência formativa. “Sempre busquei além das matrizes curriculares: grupos de estudos, projetos de extensão, duas monitorias, estágios, tudo isso fui vivenciando naturalmente e nem o TCC foi um fardo para mim, como parecia ser para a maioria da turma. Ao contrário. Estava super empolgada com a escrita daquele primeiro trabalho científico aprofundado, comprei um caderno só para fazer análise de dados e transcrição de entrevistas a mão e, mesmo assim, ainda entreguei tudo prontinho um mês antes do prazo final, tudo porque aquilo era diversão”, conta Mykaella, apontando sem saber para uma das características do lifelong learning, que é ter prazer em conhecer.

Curiosidade, reflexão, postura questionadora, pensamento crítico. Tudo isso está no DNA dos lifelong learners , ou os adeptos da educação contínua que, intuitivamente ou não, passam a vida estudando porque apostam na construção do conhecimento autônomo. “Encarei 60 horas semanais de residência, estudava espanhol pela manhã aos sábados e à noite tocava em uma banda de pré-carnaval, ao mesmo tempo em que passei em um concurso e fui assumir a função de psicóloga pela primeira vez no interior do Ceará. Tudo isso não me cansava, ao contrário, me sentia muito realizada, funcionava com combustível para querer mais e mais”, garante. 

“Acho que desde sempre o que eu sabia era que queria ser boa naquilo que fizesse. E assim é que, antes de concluir a graduação, já mergulhei em uma formação paralela em psicodrama e fiz disso trampolim para uma especialização” - Mycaella Nunes, psicóloga em pós-doutoranda em Psicologia. 

Em 2012, o ingresso no mestrado – e justo na primeira colocação – foi outra conquista de quem, àquela altura, já sabia que poderia unir a prática profissional aos estudos. “Conciliar o atendimento e o acolhimento das pessoas com as pesquisas e leituras em curso só melhorou a minha prática – e vice-versa. Lembro que trabalhava em um hospital e lá me deparei com mulheres que engravidaram por conta de estupro, o que me levou a pesquisar sobre o tema, então trabalho e estudo sempre caminharam juntos e pra mim isso fazia e faz todo o sentido. Não consigo imaginar a vida de outra maneira”, atesta a psicóloga e pós-doutora que só se permitiu uma pausa – não sem pesar – diante do nascimento da filha, em 2015, o que a fez interromper a carreira acadêmica durante o período de licença-maternidade.

“Claro que queria muito a maternidade, mas confesso que interromper aquela rotina de pesquisadora foi um baque emocional para mim. Ainda bem que tive toda uma rede de apoio, na universidade e em família, porque a minha vontade de estudar e pesquisar sempre esteve aqui me chamando de volta e me fazendo muito bem. Hoje me preparo para a docência e para, em breve, preparar outros estudantes da graduação e pós-graduação a sentirem esse prazer que sinto diante do conhecimento. E mesmo após a conclusão do pós-doc não me vejo no futuro sem estar estudando, pensando, me atualizando”, regozija-se Mycaella.

Alunos e alunas dotados de habilidades, competências e valores para se destacar no mercado profissional sim, mas também propor soluções inovadoras para os desafios do volátil e hiperconectado século XXI. 

Para o engenheiro da computação e doutorando em Informática Aplicada, Caio Ponte, 27, a sala de aula continua sendo indispensável para o aprendizado contínuo, além de lócus incentivador de esforços extracurriculares que vem ampliar e diversificar a qualificação. E assim é que, desde a graduação, ele deu início à carreira acadêmica como bolsista de iniciação científica e segue dedicado a pesquisas envolvendo inteligência artificial, semântica WEB e análise de dados no Laboratório de Engenharia do Conhecimento da Universidade de Fortaleza. 

“A sede por conhecimento contínuo é que vem impulsionando a transformação digital. Sobretudo na minha área, não há como parar de estudar e pesquisar para entender as ferramentas e se manter em dia com as demandas da indústria 4.0. Vivemos a era da tecnologia e como me preparo não só para trazer inovação para empresas que procuram o Parque Tecnológico da Unifor, mas também para a docência contar com a infraestrutura de ponta da universidade para aprender fazendo tem sido essencial”, credencia Caio. 

“O aprendizado não é só técnico ou tecnológico. O trabalho em equipe, a interdisciplinaridade cada vez mais exigida e a liberdade para desenvolver pesquisas e descobrir novas tecnologias também têm ensinado sobre comunicação interpessoal, proatividade e inteligência emocional” - Caio Ponte, doutorando em Informática Aplicada pela Unifor. 

Tudo porque a rotina diária de trabalho e estudo de um autêntico lifelong learner é de constante troca de aprendizados. “No LEC, desenvolvemos pesquisas junto às mais diversas áreas de conhecimento. Em um dia, estamos analisando dados e criando tecnologias para a previsão de vendas de um supermercado, no outro estamos buscando soluções para a malha viária da cidade, debatendo e aprendendo com os arquitetos. Quer dizer, não há tédio e é preciso correr atrás de outros conhecimentos que vão além do algoritmo. Meu foco é informática, mas a cada pesquisa em desenvolvimento tenho que mergulhar na leitura de papers de outras áreas para descobrir soluções inovadoras e pertinentes para o problema apresentado. É esse aprendizado dinâmico que me anima como pesquisador e docente”, sublinha.

A primeira graduação foi em Direito. A segunda em Filosofia. Na sequência, mestrado em Economia. E o doutorado Marcelo Monteiro, 50, cursou no Programa de Pós-graduação em Administração (PPGA) da Universidade de Fortaleza. “Profissionalmente, todas as três áreas de conhecimento me têm sido úteis. Sou servidor público, trabalho na Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado como auditor fiscal e depois de aprofundar meus conhecimentos também me dedico a atividades de ensino na Escola de Governo. Ou seja, toda a minha jornada de aprendizado é aplicável e de certa forma se deve ao fazer porque também provém da vivência e de minhas responsabilidades no ambiente de trabalho. No doutorado, pesquisei sobre a resiliência do servidor público ante à intenção de corrupção. E isso não teria sido possível sem o estudo contínuo e transdisciplinar aplicado”, observa o convicto lifelong learner. 

“Quando se é movido pela curiosidade e está aberto a qualquer tipo de troca para aprender mais isso impacta positivamente e afeta a todos com quem você convive”- Marcelo Monteiro, egresso do Programa de Pós-graduação em Administração da Unifor. 

Para Marcelo, agregar novos conhecimentos para fins laborais é tão importante e prazeroso quanto o aprendizado diário e subjetivo por meio da convivência. “Em geral, seus avanços e conquistas cognitivas geram feedbacks construtivos e inspiram pessoas a sua volta a também renovar seus repertórios. Por isso, a motivação de quem não sabe viver de outra forma a não ser em constante processo de aprendizado passa por um chamado existencial, antes mesmo de se prestar a suprir alguma demanda de mercado ou laboral”, instiga-se o também filósofo.   

Se a busca pela educação permanente deve acontecer de maneira voluntária e proativa vale lembrar que ela não precisa se dá individualmente, já que a interação entre diversos grupos sociais  é um modo comprovadamente eficiente de aprimorar o conhecimento. “Sempre gostei muito de conviver com as pessoas, de me cercar de gente para ouvi-las. Por isso me graduei em Jornalismo primeiro e recentemente escolhi cursar uma segunda graduação em Psicologia. Queria voltar para o ambiente de sala de aula, para esse aprendizado intergeracional que vem sendo tão rico e prazeroso”, vibra a jornalista e hoje estudante de Psicologia na Unifor, Neila Fontenele, que aos 52 anos também festeja a façanha de estar conciliando formação superior com uma pós-graduação a distância em Psicanálise. 

“Não é fácil fazer valer a vontade do saber quando se tem pouco tempo para os estudos e muitas horas de trabalho ao dia. Mas me desafiei a ter outra profissão, além do jornalismo, área em que atuo há 30 anos” - Neila Fontenele, jornalista e estudante do curso de Psicologia da Unifor. 

Para ela, o aprendizado por meio da convivência e troca em sala de aula, mais do que utilitário ou necessário para fins laborais, tem servido para aprender a ser. “Claro que aprender coisas novas repercute positivamente no meu trabalho como jornalista, já que o jornalismo também é escuta e interpretação do mundo, assim como a psicologia. Fiz muitos cursos livres na área da economia desde que me especializei como jornalista do segmento econômico. E todos eles enriqueceram muito minha prática jornalística. Mas o desejo de continuar estudando por toda a vida e escolher justamente a psicologia como guia tem a ver com a minha constituição enquanto sujeito, ou melhor, com a autonomia que o pensamento crítico nos confere para que moldemos nossa própria aventura humana na Terra”, assegura Neila, sublinhando a palavra “desejo” e evocando Lacan.

Indagar sobre o próprio potencial também tem sido razão para a aposta renovada no estilo de vida de uma lifelong learners. “Depois de ter sido aluna-ouvinte do mestrado em Comunicação na UFRJ, fui fazer curso de roteirista de cinema, MBA em Marketing e uma especialização em Economia que não consegui concluir porque fui mãe. Tudo isso foi conhecimento adquirido e aplicado, mas queria mais: uma outra carreira profissional. Até que cheguei na Psicologia e me reencontrei como uma pessoa da linguagem, que através da palavra busca o entendimento do que é demasiado humano. Não sei o que vou fazer com isso, apesar do interesse em clinicar. Só sei que esse é o meu lugar no mundo”, aferra. 

Entre saberes e fazeres dinâmicos e sempre em construção, Neila critica a forma como o mercado, em geral competitivo, teatraliza demandas, exigências e critérios. “Empatia, liderança, equilíbrio emocional, tudo isso está hoje no radar dos recursos humanos das empresas na hora de uma seleção de emprego. Mas essas habilidades comportamentais ou competências socioemocionais têm sido padronizadas e espetacularizadas, ou seja, há um enquadramento daquilo que é da ordem do sensível e isso me incomoda porque essa formatação do trabalho me parece adoecedora. As pessoas vão sofrendo pressão para se adaptar aos padrões em voga e daí vêm os sintomas de estresse, depressão, pânico...Prefiro pensar que saber é sabor, é gosto por viver, por entender as pessoas, matéria reflexiva que pode servir para um trabalho subjetivo de melhorar o mundo”, finaliza.