null Sérvulo Esmeraldo e o mundo como ateliê

Seg, 20 Setembro 2021 15:38

Sérvulo Esmeraldo e o mundo como ateliê

Obras do artista integram a coleção da Fundação Edson Queiroz e eternizam o seu legado cultural no campus da Unifor


Natural da cidade do Crato, no interior do estado do Ceará, Sérvulo Esmeraldo se consagrou como desenhista, ilustrador, escultor, gravador e pintor (Foto: Divulgação/Secult)
Natural da cidade do Crato, no interior do estado do Ceará, Sérvulo Esmeraldo se consagrou como desenhista, ilustrador, escultor, gravador e pintor (Foto: Divulgação/Secult)

A Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, atua como propagadora da arte internacional e nacional em seus mais diversos formatos. Sempre em busca de reforçar a sua posição enquanto entidade disseminadora de cultura, a instituição conta com o Espaço Cultural Unifor, inaugurado em 1988, e um campus com mais de 490 mil metros quadrados de extensão repleto de criações. 

Artistas renomados do mundo todo já tiveram suas obras expostas na Unifor, que regularmente realiza, no Espaço Cultural, exposições exclusivas, trazendo a sensibilidade e a multiplicidade de olhares. Nomes como Beatriz Milhazes, Burle Marx, Candido Portinari e Vik Muniz fazem parte desse elenco. 

A arte regional também é celebrada e destacada dentro da Universidade. Um dos grandes nomes presentes na história e no território físico da instituição é o do artista plástico cearense Sérvulo Esmeraldo. Quatro de suas inúmeras obras integram o acervo da Fundação e estão instaladas e expostas na Unifor. 

Conhecido como poeta das linhas, Sérvulo produziu um vasto material, e deixou sua marca na história das artes plásticas. O artista cearense faleceu no dia 1° de fevereiro de 2017, aos 88 anos, mas, sua trajetória, síntese de uma vida dividida entre Brasil e Europa, o transformou em uma referência em seu campo de atuação, e até mesmo fora dele. 

As obras dele podem ser encontradas ao redor do campus e no Espaço Cultural, e variam entre esculturas e artes cinéticas. Denise Mattar, curadora de Artes Plásticas e responsável pela curadoria da exposição "50 Duetos", em cartaz no Espaço Cultural Unifor, e que contém obras do criador, afirma que Sérvulo é um artista da geometria, e que suas criações intercalam entre vertentes que trabalham a questão geométrica e as que trazem uma proposta de interação do espectador com a obra de arte. 


Denise Mattar, curadora da exposição “50 Duetos” (Foto: Ares Soares)

Entre essas quatro criações, uma que, de acordo com a curadora contém toda a obra de Sérvulo, é a chamada "Les Funambules", e consiste em um círculo, um quadrado e um triângulo sobre um fio. De acordo com a profissional, a tradução da palavra francesa para o português é "funâmbulo", que significa "equilibrista que anda no fio, na corda bamba''. "Eu diria que essa obra é uma homenagem à geometria", analisa Mattar.  

 


“Les Funambules (O Equilibrista)”

Segundo Denise, o artista tem uma origem concretista, ou seja, que vem da Arte Concreta. Porém, ela explica que, durante os anos 60, dentro do próprio Concretismo, surgiu um questionamento de rigidez do movimento, e, consequentemente, surgiu uma proposta de se trabalhar o ritmo e trazer o espectador para a obra de arte, e não o contrário. Assim, Sérvulo incorporou essa visão em duas séries de trabalho: o "Excitável" e "To Spin, Span, Spun", ambas também presentes na Unifor.  

O "Excitável" é um quadrado vermelho que tem em sua extensão pequenos elementos presos e distribuídos simetricamente. A razão por trás do nome pode ser literalmente sentida pelo espectador. "Quando você aproxima a sua mão da obra, aqueles elementos são puxados por ela, porque a obra trabalha com uma energia estática. Você põe a mão e a própria eletricidade do seu corpo puxa todos os elementos", ilustra a curadora.


“Excitável”

A obra intitulada "To Spin, Span, Spun" segue o mesmo propósito da citada anteriormente: a interação entre o espectador e a obra de arte. A criação consiste em um cilindro comprido composto de um grande parafuso e arruelas. "Você vira o cilindro e vai vendo todo o processo do andar daquelas arruelas descendo. É algo meio hipnotizante", afirma Denise.


"To Spin, Span, Spun" 

Por fim, a criação que se encontra exposta na área externa do Campus: "Sem Título". São duas formas feitas de aço corten, material caracterizado pela sua maior resistência à corrosão atmosférica. Segundo Mattar, esse tipo de aço sente a oxidação, mas é uma oxidação superficial, ou seja, ele envelhece mas não se estraga. 


“Sem Título”

"Eu enxergo essas peças do Sérvulo como quase monolitos, onde ele está te propondo realmente encarar a forma geométrica e esse material, que vai sofrendo uma certa mutação com o tempo. Então, você tem uma interação com o entorno, proposto com o material que ele usa na execução das peças", explica. 

Sobre o artista 

Natural da cidade do Crato, no interior do estado do Ceará, Sérvulo Esmeraldo nasceu em 27 de fevereiro de 1929. Ao longo de sua vida e carreira, o artista, imerso na pluralidade das linguagens plásticas, se consagrou como desenhista, ilustrador, escultor, gravador e pintor, e é conhecido como um dos brasileiros pioneiros da Arte Cinética, corrente artística cuja principal característica é a utilização de técnicas que visam dar movimento às obras. 

Ele foi membro da histórica Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP) e estudou na Escola Nacional Superior de Belas Artes, localizada em Paris, na França, país que foi sua casa durante 25 anos. O criador realizou exposições em museus como o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e marcou presença em incontáveis bienais no Brasil e mundo afora. 

Ainda que seja internacionalmente reconhecido, Esmeraldo nunca negou suas raízes. O artista é fundador do Museu de Gravura, situado em sua cidade natal e criado em razão de sua forte inspiração na xilogravura. Além disso, como intenso defensor da arte, ele sempre fez uso de seu prestígio para agir em defesa da política cultural e de seus companheiros da classe artística.

Denise Mattar conta que, na década de 80, Sérvulo realizou eventos importantíssimos dentro do circuito artístico. Ela cita o exemplo das chamadas "Bienais de Arte Efêmera", nas quais ele convidou e mobilizou artistas do Brasil inteiro para criarem, no Parque do Cocó, esculturas que não iriam permanecer (vide o nome "efêmera"). 

"Ele foi um artista com um nível, postura e reconhecimento internacionais, mas sempre ligado ao Ceará e às raízes cearenses dele. Eu acho isso extremamente bonito. Mesmo que o trabalho dele parta de outras fontes, é um trabalho impregnado dessa vivência dele no Ceará", reflete a curadora de Artes Plásticas. 

Na capital cearense, as criações de Sérvulo compõem o cenário e as paisagens alencarinas. As obras "Monumento ao Jangadeiro" e "Interceptor Oceânico" (conhecido também como "Monumento ao Saneamento Básico"), ambas localizadas na Avenida Beira-Mar, são obras do artista que adornam a orla fortalezense.  

Importância do Acervo Cultural 

A Fundação Edson Queiroz é detentora de um vasto acervo de obras, que vão da literatura às artes plásticas. "A coleção da Fundação cobre um arco temporal incrível. Na parte dos livros, nos acervos especiais, tem livros raros, de 1500, e obras contemporâneas, de 2020. Então, você tem uma universidade que oferece para os seus alunos toda essa gama de obras de arte, e além dos alunos poderem desfrutar das obras nos corredores, também tem as exposições que acontecem", diz Denise, que considera o conjunto de obras algo muito importante e especial.  

Festival Sérvulo Esmeraldo 

Hoje, a responsável por preservar o legado artístico deixado por Esmeraldo, é Dodora Guimarães, esposa e cúmplice do artista durante longos anos. Para homenageá-lo, o Instituto Sérvulo Esmeraldo, dirigido por ela, realiza o Festival Sérvulo Esmeraldo (FSE 91), que teve início no dia 09 de setembro, e vai até o dia 30 do mesmo mês. 

O evento traz o tema "O Crato no Mundo", e a programação, que contempla uma exposição ao ar livre, exibições de documentários, webinários e cursos virtuais, celebra o legado deixado pelo artista em obras públicas.