null Inovação compartilhada: a arte da cooperação entre universidade e empresas

Qui, 5 Novembro 2020 16:50

Inovação compartilhada: a arte da cooperação entre universidade e empresas

Conheça projetos realizados no Parque Tecnológico da Universidade de Fortaleza


O Parque Tecnológico da Unifor (TEC Unifor) foi inaugurado em julho de 2017, tem cerca de 2.000 m² destinados à instalação de empresas com seus setores de PDI (Pesquisa Desenvolvimento e Inovação) (Foto: Unifor/Divulgação)
O Parque Tecnológico da Unifor (TEC Unifor) foi inaugurado em julho de 2017, tem cerca de 2.000 m² destinados à instalação de empresas com seus setores de PDI (Pesquisa Desenvolvimento e Inovação) (Foto: Unifor/Divulgação)

O que um bebedouro inteligente, dotado de sensores para transmissão de dados, tem em comum com um poste solar portátil? E qual a ligação possível entre um método de simulação de lotação de transporte coletivo e um capacete de respiração artificial não-invasivo, capaz de evitar a intubação de pacientes com Covid-19? Combinando tecnologia da informação, ciência de dados e informática, todos esses projetos foram gestados no âmbito da Diretoria de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (DPDI) da Universidade de Fortaleza (Unifor), instituição ligada à Fundação Edson Queiroz. A rigor, representam algumas das ideias que vêm ganhando forma e envergadura dentro do Parque Tecnológico da Unifor (TEC-Unifor), a partir de parcerias firmadas e continuamente renovadas entre a universidade e uma constelação de empresas atuantes nos mais diversos setores da economia local, nacional ou mesmo internacional.  

Inovação. Eis o ímã que atrai as pequenas, médias ou grandes empresas para dentro da universidade, seja com vistas a desenvolver projetos conjuntos ou encontrar suporte para o aperfeiçoamento de produtos e serviços já existentes. A busca por empreender de forma inovadora passa a contar justamente com a transferência do conhecimento científico e tecnológico de pesquisadores da instituição para a resolução de problemas correntes e conquista de novos mercados. À frente da Diretoria de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (DPDI) da Unifor, o professor Vasco Furtado lembra que não há como inovar sem o investimento contínuo em conhecimento aplicado à melhoria dos modelos e sistemas sócio-produtivos. Daí porque a “hélice tríplice” universidade-empresa-governo precisa girar e ser fortalecida, soprando os bons ventos da transformação social. 

“A pandemia forçou as empresas a entrarem mais forte e definitivamente no mundo digital, ou seja, trouxe muitas incertezas, mas a certeza de que precisavam inovar ainda mais nesse novo contexto. Não é à toa que o mundo tem investido muitos recursos em pesquisas científicas a fim de minimizar os efeitos da crise sanitária, incluindo aí a própria Fundação Edson Queiroz, que, através de seus editais para pesquisa científica aplicada, investiu algo em torno de R$ 500 mil. A inovação depende dessa interação com o conhecimento aplicado à realidade, capaz de gerar desenvolvimento econômico e agregar valor ao próprio mercado. Daí porque o papel de uma instituição de ensino, pesquisa e extensão é tão importante. Precisamos colocar em prática o conceito da universidade empreendedora. Formar, mas também fazer, impactando positivamente na vida social”, enfatiza o professor.  

Via de mão dupla. A sinergia entre academia e mercado traz benefícios para ambos os lados. Para Vasco Furtado, se as empresas têm acesso à expertise e ao conhecimento de excelência de professores e pesquisadores ligados ao Parque Tecnológico da Unifor, que lançam mão de laboratórios específicos e toda uma infraestrutura de ponta para apoiar ideias e projetos a serem desenvolvidos de forma colaborativa, os estudantes, bolsistas e estagiários envolvidos não só alcançam alto desempenho em sala de aula como saem da universidade bem melhor capacitados para fazer a diferença no mercado de trabalho. “Está provada que a formação prática também se reverte em vantagem para os alunos que concorrem a vagas de emprego ou optam por empreender. E para as empresas inovar é investir em qualidade final, expansão de mercado, diminuição dos custos de produção e também registro de patentes que geram royalties. Assim, todos ganham”, sublinha.

Feito de interação, o círculo virtuoso também se propaga e ganha musculatura quando as empresas escolhem se instalar na própria universidade, ocupando o espaço físico de cerca de 2.000 m² do Parque Tecnológico destinado não só à instalação de seus setores de PDI (Pesquisa Desenvolvimento e Inovação), mas também a uma incubadora de empresas e aos laboratórios de inovação compartilhados para desenvolvimento de projetos que podem durar anos e se suceder uns aos outros, gerando melhorias e ganhos contínuos para negócios em curso, assim como diagnósticos e prognósticos futuros. “Com a pandemia, a instalação física das empresas está em suspenso, mas isso não compromete o trabalho de pesquisa e inovação entre academia e mundo corporativo que, mesmo à distância, segue firme. Consultorias, mentorias, apoio à propriedade intelectual, intermediação com o mercado, bolsas de pesquisa, capacitações e suporte ao desenvolvimento de ideias que também podem nascer internamente a partir de teses, dissertações e trabalhos acadêmicos em geral, tudo isso permanece ativo e experimentando novas formas de aplicação prática a fim de gerar impacto social e/ou econômico”, assegura Vasco.

Soluções digitais para situações reais

Reuniões secretas, confidencialidade máxima. O segredo é a alma do negócio quando multinacionais ou empresas de grande porte, como Ford e Troller, buscam o Parque Tecnológico da Universidade de Fortaleza (Unifor) para o desenvolvimento de projetos desafiadores que envolvem patentes e pesquisas de alta complexidade com uso de tecnologias de ponta.  “Essa política de cooperação entre empresa e universidade não ocorre exclusivamente em um sentido. Muitas vezes cabe a própria universidade induzir essa interação e apoiar na identificação de problemas que as empresas possuem e às vezes nem sabem. Então, somos nós, pesquisadores, que iremos fazer essa investigação in loco. Aconteceu com a Esmaltec. Fomos convocados a pensar o que fazer com as sobras das chapas de aço usadas em certos produtos e descobrimos uma técnica de recorte capaz de zerar esse desperdício de matéria-prima. Isso representou uma economia de milhões para a empresa. Mas, lá dentro, atentamos para outro problema: as autorizadas estavam 'fabricando' manutenções desnecessárias em produtos como geladeiras e fogões. Corrigimos isso também”, ilustra o coordenador de Gestão Tecnológica e Inovação da DPDI, professor Guido Militão.

Com o Supermercado Pinheiro, outra empresa-parceira da Unifor, a demanda dizia respeito à melhoria do software de acompanhamento da logística e criação de um modelo matemático para reduzir o tempo de estocagem dos produtos. Pesquisadores da DPDI criaram assim o Estoque Inteligente. “A ideia é fazer uma previsão da quantidade de produtos que o Supermercado precisa adquirir junto ao fornecedor para que atenda à demanda sem muita sobra ou ruptura, ou seja, sem correr risco de faltar produtos na gôndola. Quem está à frente desse projeto é o professor Carlos Caminha e eu atuo como Gerente de Sucesso, coordenando a equipe Unifor para que possamos atender da melhor maneira os anseios do cliente, otimizando recursos”, observa o professor. 

O Projeto Code Dominó é um dos geradores de patente compartilhada que nasceu como projeto de doutorado do professor Daniel Chagas e vem sendo desenvolvido dentro do Programa de Pós-Graduação em Informática Aplicada da Unifor. Trata-se de uma interface tangível e afetiva criada por ele para facilitar o ensino da lógica de programação junto a crianças e adolescentes matriculados em escolas públicas ou privadas. Nada de uso do computador, tablet ou celular em sala de aula. A ideia é justamente escapar à imersão que rouba a atenção in loco, própria do virtual, e voltar o foco para o real. Daí porque tudo gira em torno de um robô cúbico que responde a comandos, se movimenta e desenha no chão enquanto peças de um dominó físico se encaixam ou não mediante a programação de suas ações em prol de um objetivo comum. Assim, entre montagens e encaixes, o conteúdo relacionado à programação de dados é transmitido e aplicado mano a mano.

“A tangibilidade evita distrações indesejadas às atividades didáticas. Trabalha-se coletivamente com algo físico e como a interface é a mesa ou chão não há o sequestro dela por um dos usuários, o que ocorre comumente em aulas de computadores compartilhados. É um convite à experimentação, que envolve inclusive alunos mais tímidos e com menor destreza tecnológica. E é nesse corpo a corpo que também vislumbramos um impacto positivo da afetividade na educação. O robô é personalizável, você pode colorir, dar um rosto, um nome pra ele, pode programar feições de raiva, feliz, pensativo, com dúvida, ou seja, ele é totalmente programável para representar estados afetivos. E isso é um fator que apoia o professor em sala de aula, já que ele consegue ver o reflexo da emoção dos alunos nos próprios artefatos, dando passagem à transmissão do conhecimento de forma lúdica”, explana o professor.

O baixo custo de montagem do robô é outro ponto a favor do artefato que nasce com a missão de gerar impacto real na qualidade da educação brasileira, principalmente a pública. “Os artefatos são livres. Eu, como inventor, a empresa apoiadora, que é a Gênio Azul, e a parceira acadêmica, que veio da Fundação Edson Queiroz, temos a patente compartilhada para uso comercial junto a empresas e escolas particulares, mas um professor de escola pública ou aquele que faz um trabalho social pode ter acesso aos arquivos do projeto para baixá-los e replicá-los facilmente em uma gráfica que trabalhe com corte a laser em madeira MDF. Assim, ele mesmo consegue montar o robô e o dominó, quase gratuitamente. É uma forma de tornar a programação acessível e chamar atenção para a formação de uma mão de obra que vem interessando muito ao mercado e pode gerar empregos futuros na área da tecnologia, atendendo a uma demanda que cresce dentro e fora do Brasil”, adverte.

Impacto que se desdobra. Segundo Chagas, o ato de programar é uma forma de pensar, de se organizar, criar passos, definir fluxos e hoje esse tipo de competência importa para todas as profissões: “algoritimizar para atingir objetivos e se tornar um profissional mais completo”. Assim é que, como ex-professor de ensino técnico das escolas profissionalizantes do estado, o doutorando e pesquisador do DPDI vibra em dobro pela trajetória vitoriosa do próprio projeto, que primeiramente conquistou o apoio comercial da Gênio Azul Educação Tecnológica em um concurso de ideias para depois ser selecionado pelo edital de fomento Inova CIT 2, da Funcap, ainda em 2017, o que lhe possibilitou desenvolver a pesquisa dentro do Parque Tecnológico da Unifor. “É essa aproximação entre empresa e universidade que permite que projetos de pesquisa possam virar negócios afinados com uma economia digital cada vez mais capitaneada por grandes empresas de tecnologia. É o que vai acontecer em breve com o Code Dominó, graças ao compartilhamento de expertises de pesquisadores, professores e alunos bolsistas junto a um processo de criação colaborativa que resultou em patente e irá gerar royalties”, credita Chagas.     

Inovar também faz bem à saúde. É o que demonstra o projeto Viver, outra ideia de natureza científica tornada realidade pelo professor do curso de Ciência da Computação e pesquisador da DPDI, Daniel Valente. Dono de uma empresa voltada ao desenvolvimento de jogos, a Valente Studio, ele foi provocado por uma dupla de clientes da área da Saúde, o médico-otorrino Magno Peixoto e a fonoaudióloga Carla Marineli, a desenvolver um projeto de realidade virtual para auxiliar na reabilitação vestibular de quem sofre com labirintite. Levou o desafio para o Parque Tecnológico da Unifor após ser selecionado no edital Inova 2017, da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap). E lá, em parceria com professores e alunos bolsistas ligados à computação gráfica e inovação, pôde criar a ferramenta digital com alta qualidade de imersão que simula ambientes externos, gera estímulos personalizados para cada paciente e assim dispensa o uso de materiais analógicos por parte dos terapeutas. 

“O terapeuta só precisa utilizar um tablet, um óculos de realidade virtual e uma balança de equilíbrio. Antes, havia a necessidade de usar diferentes equipamentos no tratamento, como bolas, por exemplo. O fato de a plataforma simular um passeio de ônibus ou de metrô para quem normalmente sente tonturas nessas situações também é outra vantagem porque evita o deslocamento. Por fim, trata-se ainda de um sistema de avaliação que gera gráficos quantitativos em tempo real e tem custo reduzido frente à principal opção existente atualmente no mercado, o que torna a tecnologia mais acessível, algo que também buscamos como professores e pesquisadores da DPDI preocupados em gerar cada vez mais impacto social”, ilustra o professor.     

A mão que balança o berço hightec

O berço da inovação na Universidade de Fortaleza tem nome: EDETEC (Espaço de Desenvolvimento de Empresas de Tecnologia), incubadora que é braço da DPDI e assume como papel central o apoio e o fomento para a criação de novas empresas. Faz isso abraçando startups, negócios ainda em fase inicial de desenvolvimento ou já maduros que precisam ser aprimorados para se lançarem no mercado. É o que informa o coordenador da célula, professor Ricardo Colares, que diariamente se vê desafiado a criar conexões entre o mundo corporativo e o conhecimento gerado na universidade por meio de pesquisa e investimento em inovação. 

E são múltiplas as janelas que se abrem na incubadora de empresas da Unifor para quem pretende empreender e inovar logo de partida. A empresa G4 Flex, hoje sólida no mercado, foi umas das que nasceu no ambiente acadêmico a partir do ímpeto de um ex-aluno de graduação e mestrado na área de computação, hoje professor da instituição: Geneflides Laureno desenvolveu ali uma plataforma de comunicação digital denominada Flex UC, que funciona como PABX telefônico, mas usa a internet ao invés da linha telefônica, com a adição de vários recursos que não seriam possíveis no modelo convencional.  “Isso mostra que o empreendedorismo pode ter um vínculo direto com a própria vida acadêmica do pesquisador. O projeto ficou incubado na universidade durante um período, teve sucesso no mundo corporativo e hoje a Unifor é cliente dessa plataforma, assim como outras empresas de grande porte”, ressalta. 

Outro case de destaque que passou pela incubadora da Unifor, segundo Colares, veio sob encomenda da empresa Total Cross, cliente antiga que precisou criar uma plataforma para desenvolvimento de softwares que rodasse em dispositivos móveis ou web, a partir de uma única linguagem capaz de gerar códigos compatíveis a vários tipos de equipamento. Com o aperfeiçoamento do produto, a velocidade pretendida também foi alcançada e o bom resultado da empreitada acabou gerando uma relação cruzada entre empresas. A Unifor triangulou e a Total Cross, em parceria com a Mob Telecom, outra empresa já instalada no Parque Tecnológico, desenvolveram em conjunto o aplicativo Minha Mob, plataforma de contato com o usuário que facilitou-lhe o acesso a vários serviços e informações. “Esse caso é emblemático porque, aproximando Total Cross e Mob Telecom, criamos aí um ecossistema, onde não só fomentamos o surgimento de novas empresas, como aprimoramos os produtos das empresas parceiras e construímos uma interrelação entre elas. É papel da universidade conectar os clientes e prover conhecimento tecnológico e científico no estado da arte com vistas à inovação”, reitera.

Desbaratar armadilhas também é desafio aceito na incubadora hightec da Unifor. O exemplo dado por Colares diz respeito à Eletra Energy Solutions, indústria do mercado nacional sediada no Ceará: a líder do mercado nacional produtora de medidores de energia elétrica já havia desenvolvido três projetos de inovação dentro do Parque Tecnológico da universidade quando apresentou a necessidade evitar fraudes detectadas em seus produtos. “As pessoas conseguiam violar o medidor, tendo acesso às partes internas e adulterando as medidas como forma de evitar cobranças ou diminuir o valor cobrado pela energia. Propomos o resinamento do equipamento, protegendo as partes funcionais do circuito eletrônico. E não foi fácil como parece: tivemos que estudar a fundo a composição das resinas e vencer uma série de desafios para garantir que o material de fato impediria novas adulterações e o acesso dos fraudadores. Hoje a empresa produz medidores resinados sem mais problemas”, garante o pesquisador.  

Saiba mais