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Seg, 14 Agosto 2023 17:03

Pesquisa Unifor: Artigo analisa questões da certificação orgânica em rede de alimentos

O estudo de Felipe Alexandre, egresso do Mestrado em Administração, auxilia o desenvolvimento de métodos para combater problemas relacionados à prática


Publicado em importante revista científica internacional, o trabalho visa compreender o impacto da certificação orgânica nas capacidades humanas (Foto: Getty Images)
Publicado em importante revista científica internacional, o trabalho visa compreender o impacto da certificação orgânica nas capacidades humanas (Foto: Getty Images)

A população vem mudando seus hábitos de consumo alimentar cada vez mais, atitude essa advinda de uma conscientização com o futuro do planeta, assim como a exigência de produtos seguros e de qualidade. Com isso, alimentos orgânicos acabaram ganhando mais espaço no mercado ao decorrer do tempo, afetando várias pessoas que estão ligadas a negócios desse tipo.

Nesse contexto, Felipe Alexandre, egresso do Mestrado em Administração da Universidade de Fortaleza — instituição da Fundação Edson Queiroz — e doutor em Gestão da Cadeia de Suprimentos, produziu o artigo “Analyzing the implications of organic standardization and certification in alternative food network: The capacity approach”.

O estudo (“Analisando as implicações da padronização e certificação orgânica na rede de alimentação alternativa: A abordagem de capacidade”, em tradução livre) tem como objetivo compreender como padrões orgânicos e planos de certificação de alimentos impactam as capacidades humanas no estado do Ceará.

Embora tenham um papel crucial para consumidores, esses dois elementos podem gerar desigualdades econômicas e afetar as capacidades humanas devido a forma como são realizados. O artigo ajuda acadêmicos, profissionais e formuladores de políticas públicas a traçarem métodos para combater tais problemas.


“Dentre as implicações práticas, o estudo propõe recomendações importantes aos legisladores não apenas do Brasil, mas também de contextos em que a certificação de alimentos orgânicos é institucionalizada.” — Felipe Alexandre, egresso do Mestrado em Administração da Unifor e doutor em Gestão da Cadeia de Suprimentos

Felipe começou a pesquisar o assunto na dissertação de mestrado, especialmente por sua relação familiar com cadeias produtivas de alimentos. O estudo também foi influenciado por Daiane Neutzling, professora do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Unifor, que possibilitou o acesso do egresso à literatura sobre o tema.

O artigo ainda seguiu como projeto de pesquisa financiado pelo Newton Fund, agência inglesa de fomento à pesquisa e inovação. Além de Felipe e Daiane, a pesquisa contou com a participação de Stefan Seuring, docente da Universidade de Kassel, na Alemanha; Vikas Kumar, professor da University of the West of England (UWE Bristol); e Marilia Bossle, docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS). 

Entenda as certificações orgânicas

Previamente, as certificações orgânicas são utilizadas pelas organizações para demonstrar aos consumidores que determinado produto é de qualidade e foi produzido de forma sustentável. A mudança de comportamento da população em relação ao consumo alimentar vem popularizando os selos.

Há três tipos de certificações orgânicas no Brasil: a certificação por auditoria, os sistemas de garantia participativa e o controle social. Elas foram observadas no artigo, que visa compreender como podem reforçar ou prejudicar as capacidades humanas ligadas às Redes Alternativas de Alimentos (AFNs). 

Na certificação por auditoria, os agricultores são submetidos a uma avaliação de uma empresa especializada, que irá certificar  qualidade e segurança dos produtos e do processo produtivo. Esse tipo de padronização, contudo, vem gerando críticas devido aos altos custos por seguir uma lógica de mercado e, com isso, exigir grandes investimentos, o que implica em gastos com implantação e auditoria anual, além de ser bastante burocrática.


Diferentes tipos de certificação orgânica buscam alternativas para questões em discussão no meio em que se são aplicadas (Foto: Getty Images)

Em decorrência dessas avaliações, surgiu o sistema de garantia participativa. Nela, a auditoria é feita por grupos dos próprios agricultores, porém as orientações e padronizações são seguidas de acordo com a legislação de cada país.

Já o terceiro tipo de certificação, chamada de controle social, funciona especificamente no Brasil. Nessa categoria, as associações e cooperativas de pequenos agricultores só podem comercializar produtos in natura.

Mas o que são as capacidades humanas?

Capacidades humanas são tudo aquilo que abrange as dimensões materiais, sociais, culturais, políticas e ambientais da sociedade. Nesse sentido, existem cinco tipos de capacidades fundamentais para que o ser humano possa desenvolver plenamente suas potencialidades na vivência e convívio social. São elas: 

  • Capacidades materiais

Quando o indivíduo tem acesso às condições e recursos materiais (comida de qualidade, moradia, um trabalho adequado, renda etc).

  • Capacidades sociais e culturais

Se refere a preservação dos direitos dos indivíduos (direito à igualdade de gênero, emprego digno, raízes culturais e religiosas respeitadas).

  • Capacidades políticas

Direito e autonomia para tomar decisões e se expressarem;

  • Capacidades ambientais

Direito aos acessos de benefícios gerados pelo ecossistema: ar limpo, água potável etc.


“Este artigo abre um caminho para pesquisas futuras entenderem melhor as implicações dos mecanismos de governança e as consequências não intencionais sobre as capacidades humanas e outros quadros relevantes, como sustentabilidade e responsabilidade social corporativa" — Daiane Neutzling, professora da Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Unifor e orientadora do artigo. 

Métodos 

Durante o processo de pesquisa, os cientistas utilizaram o método Estudo Multicasos, a partir do qual analisaram oito redes alternativas de alimentos. Isso se deu por meio de evidências documentais, observação em campo e condução de 66 entrevistas com agricultores, consumidores, proprietários e funcionários de AFN, autoridades certificadoras, representantes governamentais e não governamentais e pesquisadores. 

O Estudo Multicasos, que foi aplicado no cenário cearense, é adequado para investigar o fenômeno contemporâneo em profundidade inserido na conjuntura do mundo real, especialmente quando os limites entre fenômeno e contexto podem não ser claramente evidentes.

Resultados 

O trabalho identificou que a certificação de auditoria, controle social e a híbrida (junção das duas anteriores) são as padronizações encontradas no estado do Ceará. Com isso, observou-se como essas certificações impactam nas capacidades humanas, tanto positiva quanto negativamente, nas AFNs de maneiras distintas.

A certificação de auditoria, por exemplo, atua para a exclusão dos agroquímicos da produção dos alimentos orgânicos, mas não promoveu mais práticas ambientais regenerativas, o que acaba afetando as capacidades sociais e culturais.

Em relação à certificação de controle social, notou-se que ela aborda bastante as capacidades materiais, sociais, culturais, políticas e ambientais. Dessa forma, ela gera a possibilidade de benefícios para os agricultores e consumidores, dado que ela foi projetada para isso. Contudo, também enfrenta problemas com a dificuldade de se institucionalizar: um exemplo é a falta de apoio governamental.

Além disso, notou-se que pode haver casos em que, apesar do acesso dos agricultores aos mercados orgânicos locais, a falta de legitimidade e reconhecimento impede que eles desfrutem dos mercados orgânicos especializados devido aos preços premium


As certificações orgânicas são importantes para os consumidores, mas podem gerar desigualdades econômicas e afetar as capacidades humanas (Foto: Getty Images)

Já a certificação híbrida aumentou, principalmente, o controle material, poder político, legitimidade social e governança ambiental dos intermediários da AFN. Porém as quatro dimensões das capacidades humanas foram afetadas negativamente.

Isso porque a certificação híbrida criou compensações em detrimento dos agricultores, pois os intermediários do mercado controlavam os recursos e lucros, permitindo-lhes visar os mercados orgânicos locais e especializados, implicando na prosperidade dos agricultores. Essa categoria ainda enfrentou dificuldades para diferenciar seus diversos padrões de forma transparente e participativa.

Publicação Internacional

Dado o importante conhecimento que o artigo fornece para a sociedade, a pesquisa foi publicada na “Business Ethics, the Environment & Responsibility”, revista internacional de alto impacto, em junho de 2023.

O periódico busca e publica trabalhos relacionados à ética, meio ambiente e responsabilidade social. Além disso, é uma revista de pesquisa acadêmica bem estabelecida, conhecida por seu rigor e qualidade, mas acessível e legível. 

Felipe Alexandre, autor do estudo, destaca o esforço dos cinco anos de processo e elaboração da pesquisa, além do ano de espera para a publicação na revista: “A minha sensação é de que o nosso esforço foi reconhecido!’’.

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