null A magia do cinema: histórias de quem percebe a cidade e o mundo com a câmera na mão

Qui, 26 Novembro 2020 17:00

A magia do cinema: histórias de quem percebe a cidade e o mundo com a câmera na mão

Professores e alunos do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza ressaltam como o cinema contribui para a construção do olhar individual


Com a câmera na mão, professores e estudantes de cinema exercitam olhares de sensibilidade (Foto: Getty Images)
Com a câmera na mão, professores e estudantes de cinema exercitam olhares de sensibilidade (Foto: Getty Images)

“Quanto mais diverso for o olhar para o cinema, mais aprendemos sobre ele, assim como sobre nós, pois o cinema reflete o que somos”, afirma o fotógrafo de cinema e documentarista Valdo Siqueira, professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz

Desenvolver um novo olhar sobre o cotidiano influencia diretamente nas produções cinematográficas: o produtor constrói uma narrativa para que o espectador possa observar a cena registrada sob uma nova perspectiva. 

A exemplo disto, a Mostra Cenas de Quarentenarealizada pela Unifor, permitiu que graduandos de diferentes cursos produzissem curtas-metragens sobre angústias, o nada, reflexos, o corpo, o mundo visto de cabeça para baixo durante o período de isolamento social. 

O cinema, a sensibilidade e o olhar sobre o mundo estão interligados na construção da mensagem final em um filme, registros fotográficos ou produções que permitem a expressão do indivíduo por meio das lentes da câmera e do espaço no qual se encontram.

Estudantes e professores do curso de Cinema e Audiovisual da Unifor, contam como tem sido sua relação com o espaço no qual habitam, a cidade, o mundo e o que mudou após o período de isolamento social. Confira: 

Telas que ensinam

Para Valdo Siqueira, as telas nos ensinam a ver. “Quando retratam tanto quanto criam a realidade, as telas nos fazem aprender sobre o que existe e o que pode existir. O cinema, mantêm a saúde dos nosso olhos, de nossa mente. Quanto mais vemos, mais queremos entender e compreender o mundo”, declara. 

Segundo o professor, a desaceleração existente no mundo durante os meses de pandemia trouxe muitas reflexões. “A mudança do ritmo de deslocamento das pessoas, ou mesmo a quase imobilidade não geográfica da cidade, nos chamou ao imediatamente próximo, em primeiro plano. Penso que raramente olhamos tanto pela nossa janela para o mundo que está lá fora. A casa do aqui dentro (been here) passou a tomar parte das narrativas”, destaca ele. 

O fotógrafo de cinema e documentarista fala também sobre a percepção criada a partir das vivências trazidas pela pandemia. “Com o passar dos meses, as pessoas começaram a falar de saudade de alguém que está distante, da falta de abraço. Inclusive, a Mostra Cenas de Quarentena, reflete muito o que nossos alunos fizeram e pensaram nesse tempo. O grupo de pesquisa em documentário do curso de cinema passou, inclusive, a observar de forma mais detida os filmes feitos nesse período de pandemia, o olhar dos cineastas para o mundo novo que foi descortinado, em que as pessoas passaram a usar máscaras para garantirem a saúde. É um tempo de exceção, por isso, rende muitas narrativa”, frisa. 

Câmeras e juventudes formam o corpo das cidades. O professor destaca a importância de que os jovens explorem mais o que as câmeras podem mostrar. “Um velho professor já dizia na década de 90, que um dia os jovens não iriam apenas contar o que viram, mas também mostrar o que viram. Chegou esse tempo em que tem câmera em todos os lugares, como no filme ‘O Show de Truman’, dirigido por Peter Weir e escrito por Andrew Niccol. As pessoas reivindicam a sua autoimagem, se performatiza diante das telas, chegando a criar autoficções para si. O grande desafio é saber aonde isso pode nos levar. As imagens têm a capacidade de nos transportar para lugares inimagináveis, tanto como podem nos iludir”, deixa a mensagem. 

As possibilidades do olhar

Alexia Holanda, aluna do sétimo semestre do curso de Cinema e Audiovisual, relembra que antes de ingressar na graduação, tinha muitas ideias e pouca noção de como transformá-las em realidade. “O curso de cinema me ensinou quais ferramentas eram necessárias para construir essas histórias, e me mostrou que com dedicação e estudo, novas ferramentas podem ser criadas. Acredito que nunca paramos de desenvolver o nosso estilo, pois estamos sempre descobrindo coisas novas e reimaginando o que já vimos. Meu estilo é uma combinação de processos criativos que admiro e que aspiro desenvolver”, completa.

A aluna conta ter se dedicado a produzir diversas filmagens da sua família durante o período de isolamento social. “Parecia um momento histórico que eu gostaria de olhar para trás no futuro: ver como nos tornamos mais próximos, como nos sentíamos em um espaço limitado, como procurávamos alegria nos pequenos momentos compartilhados, como um jogo de tabuleiro em um dia de semana durante a tarde”, comenta.

Além disso, uma nova perspectiva sobre a cidade tem sido despertada. “Desde a quarentena, notei um brilho diferente na cidade. O que era cotidiano se transformou em um privilégio que eu não sabia que eu tinha. Sempre fui uma pessoa meio quieta, então, ficar em casa não me incomodou. Entretanto, hoje em dia até a sensação em estar no carro dirigindo para algum lugar, transmite gratidão pelo espaço e pessoas ao meu redor”, destaca Alexia. 

Novas lentes para o cotidiano

Cineasta e professor dos cursos de Cinema e Audiovisual, Jornalismo, Publicidade e Propaganda da Universidade de Fortaleza, Glauber Filho ressalta que o cinema funciona como um incentivo a um novo olhar para o cotidiano. “A narrativa que o cinema desenvolve pode fazer com que determinado espectador perceba esse cotidiano por outra ótica, que não era da sua própria narrativa elaborada. O cinema cumpre uma função muito importante, sobretudo, se essa narrativa tiver um propósito de compreensão da diversidade, dimensão e existência humana. Uma narrativa não interessante, seria de algo que não promovesse essa evolução humana, como exemplo, tornar comum a estética da violência. A partir do momento que chama atenção para coisas positivas, acho bem interessante”, explica.

Sobre a sua relação com a cidade, Glauber relembra que durante a quarentena passou a ver a cidade sob outra perspectiva. “Passamos a ver a cidade em um lugar que muitas vezes a rotina nos coloca em celeridade, com relação ao tempo. Quando falamos sobre dimensão do tempo, o tempo quem constrói as imagens. Para as imagens terem sentido, é necessário se demorar nesse tempo e construir sentido sobre esse tempo de imagens. Eu refiz alguns registros, lembro da cidade silenciosa. Havia um silêncio de medo, isso me chamou atenção na cidade. Ao mesmo tempo, a gente escutava melhor a rotina das pessoas, os vizinhos, as falas. A cidade ganhava outra paisagem, gravei algumas coisas, mas a experiência fica retida na memória. Acho que hoje há barulho, mas o barulho da negação”, declara.

A respeito da atual facilidade para registrar imagens não apenas por meio da câmera fotográfica profissional, como também de celulares, o professor salienta o risco de imagens vazias. “Quando analisamos a história do Cinema, percebemos um mergulho profundo e crítico na percepção da imagem enquanto estética, ética e pensamento. Hoje, ao mesmo tempo que o celular facilitou para registrarmos o cotidiano, percebemos a existência de imagens vazias. Para entender a imagem, é preciso se deter no tempo dessa imagem, para compreensão de sentido. Como disse José Saramago, vivemos uma oferta de imagens. Estamos a capturar e consumir essas imagens sem saber o motivo. Se você não tiver uma compreensão mais aprofundada como quem trabalha com imagem e uso de equipamentos, você ficará refém a essa multiplicidade, onde tudo se registra, como se fosse um desespero de existência”, frisa. 

Mudanças positivas 

Já para a estudante Maria Isabel, sua experiência no curso de Cinema e Audiovisual, ajudou a enquadrar as molduras que quer capturar de uma forma mais refinada. “Em uma estética que me identifico. No caso, amo a estética e subcultura gótica. Com um olhar atento para o que quero destacar da melhor forma possível ou deformar”, comenta ela.

Também maquiadora, Maria Isabel explica que apesar de não ter sentido mudanças em sua relação com a cidade, desenvolveu um novo olhar sobre suas produções dentro de casa. “Tento ser o mais produtiva possível em casa, tento fazer sempre o melhor, em relação a trabalho ou lazer. Como trabalho com maquiagem, tenho que registrar minhas artes. Antes do período da quarentena, eu tinha planejado fazer maquiagens mais profissionais. Entretanto, houve a quarentena, então adaptei para fazer tudo na minha casa. Foquei em montar um espaço com tripé, boa iluminação e celular de boa qualidade. O que mais gosto de registrar é o que eu produzo”, finaliza.