null Como escolher minha profissão? Confira histórias de quem investe no sonho de fazer o que ama

Qui, 17 Setembro 2020 16:25

Como escolher minha profissão? Confira histórias de quem investe no sonho de fazer o que ama

Estudantes da Universidade de Fortaleza falam sobre os caminhos profissionais que escolheram seguir e dão conselhos


Alice Araújo Lima é estudante de Jornalismo da Universidade de Fortaleza e também é formada em Geografia (Foto: Arquivo pessoal)
Alice Araújo Lima é estudante de Jornalismo da Universidade de Fortaleza e também é formada em Geografia (Foto: Arquivo pessoal)

Que impulsos e desejos estão em jogo ao escolhermos uma formação superior? Como fatores externos e internos afetam e influenciam nossas escolhas acadêmicas ou mesmo profissionais? Quais as estratégias usadas para conectar propósitos íntimos à necessária busca por equilíbrio financeiro? A graduação dos sonhos reflete muito de nossa subjetividade, mas é a maturidade trazida pelo tempo que cuida de reafirmar ou não decisões muitas vezes tomadas prematuramente, antes mesmo da maioridade. 

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Aos 22 anos, a estudante do curso de Medicina Veterinária da Universidade de Fortaleza (Unifor), instituição da Fundação Edson Queiroz, Aléxia Rebouças, não se arrepende de ter apostado numa vocação identificada intuitivamente na infância. Ao conhecer de perto a vida rural em visitas sistemáticas às fazendas de seus familiares, onde passou a ter contato direto com animais de pequeno e grande portes, lembra que se viu atravessada não só por um sentimento de admiração e ternura, como também de cuidado e atenção ao bem-estar de ruminantes e não ruminantes. Ali, ainda que sem cálculo, já estava esboçada a escolha que a levaria a se dedicar profissionalmente a eles.     

Na hora agá, às portas do Enem, ainda bateu a dúvida: Medicina veterinária ou Medicina humana? “Claro que a família preferia que eu optasse por Medicina, já que temos entre os familiares advogados, dentistas, fisioterapeutas, mas nenhum médico veterinário. Meu pai e minha avó, no começo, estranharam, diziam que a profissão não tinha futuro. Mas fui realmente fazer o que mais gostava e descobri o quão abrangente é a veterinária, uma área que permite variadas combinações: quero cuidar de animais de pequeno porte, mas também gosto de saúde pública e reprodução animal. É bom não precisar me fechar em caixinhas”, comemora.

Lidar com o sofrimento dos animais foi algo que por algum tempo ainda evocaria o fantasma do erro. Mas o exercício da prática focada em garantir o bem-estar animal equalizou as emoções. “A possibilidade de ter errado na escolha por Veterinária não era um assombro. Aliás, vejo cada vez mais abertura para que o jovem se experimente em áreas diversas. Não há mais aquela escolha fechada e definitiva do tempo dos nossos pais, que só faziam uma graduação e estavam fadados a trabalhar na área. Agora somos incentivados a abrir o leque de conhecimentos para poder inclusive trabalhar em áreas afins, para além da nossa formação superior. Na Unifor, os cursos e os centros de pesquisa dialogam entre si e há interdisciplinaridade. Vejo isso com bons olhos inclusive porque traz menos peso para escolhas que acontecem muito cedo em nossas vidas”, opina Alexia. 

Para a prima que está prestes a concluir o ensino médio e sofre por não saber que formação superior seguir, ela sugere: “Você tem que se perguntar onde se vê trabalhando futuramente. E não como vai ganhar dinheiro. Em qualquer profissão, se você faz o que gosta vai ser bom nisso e, consequentemente, ganhará dinheiro ou, pelo menos, conseguirá viver daquilo. Eu não faria qualquer escolha para agradar alguém ou somente para ter a tão falada estabilidade financeira”. Para ela, a pergunta casada a ser feita é o que vai fazer você feliz, entendendo de antemão que felicidade não é algo que está dado, mas um caminho se trilhar. “O que me deixa realizada é curar um animal. Então estou no rumo certo”.

Convicta, a futura veterinária já transforma possíveis percalços em atitudes contundentes. Aléxia sabe que o fato de ser mulher ainda dificulta sua inserção em áreas de atuação predominantemente masculinas. “Agropecuária, agronegócio, indústria rural... esses são nichos historicamente visados por veterinários, homens inclusive meio brutos. E há sim preconceito com mulheres que decidem trabalhar com animais de grande porte e encarar o negócio. Muitas vezes o nosso desempenho é até melhor, porque, afinal, se trata de cuidado, algo que mulher entende muito mais do que homem, mas até conquistar respeito é difícil. Procuro quebrar isso através do conhecimento mesmo, me aprofundo no assunto e vou desconstruindo aquela postura de desconfiança que, na verdade, indica machismo mesmo. Provo que sei do que estou tratando e executo bem a tarefa. Isso fala por si”, sustenta.

Errar é humano, estudar é divino

O erro que leva ao acerto pode ser o melhor amigo de quem é levado a escolher em tenra idade um curso superior para chamar de seu. Que o diga a estudante do sétimo semestre de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), Alice Araújo Lima, que, aos 26 anos, já ostenta o título de Bacharel em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará. “Passei no vestibular muito novinha e pelo fato de ter ingressado de primeira numa universidade pública, o que não acarretaria custos aos meus pais, decidi apostar na formação de geógrafa, que era uma área com a qual me identificava também, por gostar de natureza e viagens. Ainda trabalhei por um ano como técnica ambiental, mas a prática me ensinou que não era exatamente aquilo que queria. Então resolvi  prestar Enem de novo para o que realmente gostava, dessa vez sem medo de errar”, recorda a jornalista em formação.   

Hoje, o “tempo perdido” não lhe parece tão perdido assim. “Se, por um lado escolhi o jornalismo um pouco tarde demais, por outro a minha percepção de geógrafa me ajuda a fazer jornalismo. O meu diferencial é aliar as duas coisas, ou seja, usar a geografia cultural aplicada ao Jornalismo. Por isso não me arrependo de ter feito Geografia. Mas acho que poderia ter cursado jornalismo logo se essa decisão, que exige certa maturidade, não tivesse que acontecer tão cedo. Um jovem com 17 anos já ter que decidir a carreira profissional, enfrentando a pressão dos pais e da escola, é delicado... Minha irmã está passando por isso agora e eu procuro dar muito apoio a ela porque não foi de primeira que eu acertei. E pode ser assim também com ela, como acontece mais do que comumente entre os jovens”, defende. 

Para Alice, a sensação de estar finalmente se preparando para a carreira profissional com a qual se identifica plenamente não tem preço, embora retorno financeiro importe sim. Em Pindoretama, cidade-natal do interior cearense, ela já atua como social media, além de vibrar com o estágio paralelo conseguido na TV Unifor, onde tem se colocado à prova como apresentadora de telejornal, repórter e produtora. Jogando nas onze, não há mais sombra de dúvida sobre a profissão a seguir, apesar do cenário de instabilidade econômica que abala nichos profissionais diversos em meio à crise sanitária causada pela Covid-19.

“É claro que já bateu um certo receio: será que vou conseguir um emprego na área que tanto gosto, ainda mais diante de tantas restrições causada pela pandemia? Sei que sou boa no que faço, mas será que ser bom é suficiente nesse mercado? Mesmo assim, não me arrependo. Tenho aprendido muito e o fato de eu ter duas graduações pode ser visto como vantagem. Além disso, o curso de Jornalismo da Unifor é nota 10, assim como meu estágio, então lá na frente sei que vou colher bons frutos e mostrar para o mercado de trabalho que sou boa nisso!”, regozija-se.

Entre erros assumidos e acertos festejados, Alice já não faz escolhas como antigamente. Hoje, se diz muito mais cuidadosa, pesando prós e contras, planejando um passo após o outro e aferindo o grau de satisfação a cada vivência acadêmica. Com isso, espera minimizar possíveis desvios de foco ou mesmo enganos na hora de pesar e medir futuras propostas de trabalho como jornalista. “Não quero visar prioritariamente o financeiro, porque já entendi que o prazer de trabalhar com o que realmente gostamos é o principal combustível para ter sucesso em qualquer carreira profissional. E quando falo sucesso não é exatamente estar na maior rede de TV ou ostentar o maior salário. Mas comunicar sabendo que informação de qualidade pode transformar para melhor a vida das pessoas e também gerar uma enorme auto-satisfação”, acredita. 

Escolher é empoderar-se

Aos 21 anos, Ana Beatriz Queiroz, não está à toa no nono semestre do curso superior em Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor). Desde adolescente, o poder da retórica e o espírito de liderança lhes foram fieis companheiros em sala de aula. “Os professores e amigos já diziam que eu seria uma ótima advogada diante de tantos argumentos. E eu concordava, estimulada também por filmes, novelas e livros que me traziam ainda mais familiaridade com o ambiente dos tribunais e os processos judiciais. Então, não tive qualquer dúvida ao escolher minha formação ou profissão, mas na graduação passei a entender como tudo funcionava na prática e foi assim que aos poucos decidi que não queria advogar e sim prestar concurso público para delegada de polícia, o que foi uma preocupação para minha família e um alento para mim”, ri-se.

O motivo da tensão no seio familiar é óbvio: diante do crescimento assustador dos números de violência no Brasil a escolha de uma jovem estudante por estar na linha de frente da polícia não corresponde em nada com a expectativa de pais que sonham em ver seus rebentos voando em um céu de brigadeiro ao sair da faculdade. “Eu demorei a escolher essa ramificação do Direito, mas justamente porque precisei de tempo para entender por dentro os prós e contras da decisão. É claro que é uma escolha perigosa, mas estou ciente de que quero correr o risco. Como delegada sei que posso inclusive defender e proteger as mulheres, que estão entre os grupos sociais mais vulneráveis e suscetíveis a vários tipos de violência. E é essa possibilidade que me move e vai me trazer realização profissional”, sustenta.   

Empoderar-se para empoderar quem mais precisa. A escolha de Ana Beatriz lhe exigiu forças desde já. Tudo porque é preciso renúncia para ser aprovada em um concurso público. “Passei a organizar toda a minha vida em razão do que eu quero: antes de decidir fazer o concurso, eu trabalhava, estagiava, estudava só para tirar boas notas boas na faculdade e saía com os amigos todos os finais de semana. Mas a partir do momento que decidi ser delegada e entendi a rotina dos concurseiros profissionais mudei a minha própria rotina. Não quero passar anos nessa peleja e sair da faculdade ainda desempregada. Por isso, apostei em planejamento: hoje só estudo, são oito horas por dia de estudo, traçando metas diárias e semanais e sendo acompanhada por uma mentora. Então, nada de baladas e o que eu não consigo cumprir na semana entro pelo final de semana para compensar”, ensina. 

É claro que retorno financeiro também conta frente ao declarado esforço em nome do emprego público dos sonhos. Mas até esse “detalhe”, segundo Ana Beatriz, tem a ver com igualdade de gênero. “Ganhar um salário bem acima da média, garantindo, de cara, uma estabilidade financeira, é algo que dá autonomia a qualquer pessoa, mas principalmente a uma mulher, que sofre tantas restrições na vida até conquistar verdadeiramente sua liberdade. Quero sim ter poder e dinheiro para me sentir cada vez mais forte e compromissada com o bem-estar da população, assim como quero ver cada vez mais mulheres empoderadas em suas carreiras profissionais e tomando decisões capazes de melhorar o mundo”, sentencia