qui, 23 julho 2020 18:14
De hobby à terapia, cresce o interesse por jardinagem. Confira dicas!
A necessidade de contato com a natureza estimula o cultivo de plantas de diversas espécies em casas e apartamentos
Um jardim para chamar de seu. Em meio à pandemia ocasionada pelo novo coronavírus, reinventar maneiras de ter prazer no dia a dia durante o isolamento social nunca foi tão vital e necessário. Atividades como leitura, exercícios físicos, meditação e assistir a filmes e séries, agora dividem a agenda com a prática da jardinagem.
Seja em casa ou apartamento, o confinamento despertou em muitos a saudade do contato mais direto com a natureza. O verde que estava guardado nas praças e parques, agora habita locais concretos e afetivos nos lares de muitos brasileiros.
A ferramenta Google Trends aponta que a busca pelo termo “kit de jardinagem” aumentou em 180% no Brasil entre 17 de março, início do período de isolamento, até dia 17 deste mês, julho.
Segundo Fernanda Rocha, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, durante a pandemia, a jardinagem é uma aliada do tempo. “A prática da jardinagem é indicada para todos os momentos da vida, como uma possibilidade de relaxamento por meio da manutenção do contato humano com a natureza, embora sejamos uma única e só natureza. Premidos por uma quarentena, a atividade se torna essencial, pois oportuniza a percepção da dinâmica do tempo, pela observação das mudanças das plantas, suas necessidades, suas brotações, sua floração”, destaca.
Para quem quer construir o seu próprio jardim, mais do que o desejo de ter plantas, é importante voltar a atenção para as particularidades pessoais e delas. Fatores diversos devem ser considerados na hora de escolher o que se quer cultivar. “Vai depender diretamente do contexto em que cada pessoa vive e de suas necessidades, sendo possível cultivar desde uma pequena horta com temperos e chás, com fins culinários, cultivada junto à janela, sempre protegida de fortes ventos, a um cantinho verde em sua varanda, com espécies de diferentes hábitos, dispostos em vasos sobre uma mesa, jardineiras em prateleiras ou penduradas, até um único vaso no interior da sala”, explica Fernanda, que também coordena o Laboratório de Paisagem da Unifor e leciona na pós-graduação em Arquitetura da Universidade.
Fernanda Rocha, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unifor, em seu jardim (Foto: Arquivo pessoal)
A principal dica para um cuidado adequado, inclusive com o intuito de gerar menor manutenção, é realizar uma observação cuidadosa e diária, tendo em vista que as espécies sinalizam o que precisam para o crescimento saudável. “Elas sempre vão indicar a necessidade de maior ou menor quantidade de água, luz e nutrientes, e cada uma terá características específicas. Outro ponto importante é escolher espécies com necessidades semelhantes para um mesmo lugar, pois deste modo todas ficam igualmente vicejantes”, ressalta a professora e arquiteta que utiliza o Instagram para divulgar seu trabalho por meio do perfil: @fernandarochaarqurb.
Para realizar a manutenção é necessário ter instrumentos básicos como regador, pá de tamanho pequeno ou ancinho para mexer a terra e uma tesoura para a retirada de folhas e galhos secos. Fernanda recomenda: “se tiver espinhos pode usar luvas, mas o ideal é sempre colocar as mãos na terra.”
Saindo do “âmbito particular”, a jardinagem pode também, na mescla entre o urbano e a natureza, oferecer mais qualidade de vida aos moradores das grandes cidades e promover um embelezamento orgânico dos espaços. “Uma simples árvore ou arbusto na calçada precisa deixar de ser considerado como um gerador de sujeira ou insegurança, para ser visto como um amenizador do clima, um abrigo de pessoas e animais e, porque não, um elemento a embelezar nossas vidas”, a arquiteta e urbanista aguça a reflexão.
Selva urbana
Foi durante um passeio cotidiano que Luandell Lucena, estudante do curso de Cinema e Audiovisual da Unifor, despertou o interesse pelo cultivo de plantas. Para ele, além do aspecto estético, as plantas proporcionam um alento emocional. “Fui passear com minha cachorra, a Dora, e aqui perto da minha casa, no Parque Cocó, tem uma loja de flores. Quando entrei nessa loja, eu quis morar nela. Eu me senti muito bem lá dentro porque aquele ambiente cheio de plantas me agradou muito e eu quis ter uma paisagem em casa, para aproveitar mais minha casa. Sempre que eu ficava muito ansioso eu ia nessa lojinha e trazia uma planta como um presente”, declara.
Agora, ele o namorado, Ray Queiroz, dividem os cuidados das várias espécies que moram no jardim suspenso do apartamento localizado no 16º andar. Para Ray, que teve a paixão por plantas incentivada por sua mãe durante a infância, cuidar do jardim se mostrou como uma “fuga” do confinamento. “O meu único escape era cultivar, regar, podar, ver o processo de crescimento das plantas. Elas florindo foi uma surpresa durante todo o período até agora. Eu fui descobrindo que elas eram ainda mais bonitas, mais coloridas. Hoje em dia o lugar que eu mais gosto na casa é a varanda”, afirma.
Luandell (à direita) e Ray (à esquerda) brincam com a cadela Dora no quarto rodeado por plantas (Foto: Arquivo pessoal)
Cada um tem a sua favorita do jardim. “Eu gosto muito das suculentas e da Espada-de-São-Jorge, porque ela foi minha primeira planta e ela é muito resistente”, afirma Luandell. Já Ray, tem como predileta a Camarão-vermelho, que ganhou da mãe: “o processo de crescimento dela é muito bonito!”, frisa.
Essa sensação de conforto sentida por Luandell e Ray, tem nome como tendência de decoração. O “urban jungle”, em tradução livre, “selva urbana”, é uma técnica que ganha destaque como forma de inserir o verde nos lares, proporcionando bem-estar e aconchego.
Algumas da espécies presentes no apartamento de Luandell (Foto: Arquivo pessoal)
De acordo com a arquiteta e urbanista Amanda Lima, aluna da Especialização em Arquitetura de Interiores da Pós-Unifor, o verde está cada vez mais presente nos projetos. “Tem toda a questão de conhecer a sua casa. ‘Minha casa tem um ambiente que pega sol constantemente?’, ‘tem um ambiente que pega sol pleno?’, ‘tem um ambiente de sombra, meia sombra?’. Então, eu friso muito nisso, a gente tem que colocar uma planta adequada para o seu ambiente. A luminosidade direta ou indireta vai influir totalmente dentro do projeto e nas plantas que eu vou propor para aquele local. Hoje nós temos uma variedade gigantesca de plantas que podem ser usadas”, esclarece a arquiteta, que ainda criança desenvolveu um afeto genuíno pela natureza morando em um sítio e hoje comanda sua própria loja de plantas e insumos de paisagismo.
A arquiteta e urbanista Amanda Lima investe no verde em seus projetos de interiores (Foto: Arquivo pessoal)
Segundo Amanda, muitos clientes têm dúvida de quais são as plantas adequadas para iniciar um jardim. “Eu sempre indico começar por cactos e suculentas porque são plantas mais práticas, no sentido de que elas perdoam mais os nossos erros no início. Tem pessoas que não estão acostumadas a regar tanto ou com o substrato correto. É importante comprar um vaso que pode ser pequeno, comprar uma terra preparada, testar com esses tipos e ir se adaptando à planta, inserir no seu dia a dia”, aconselha.
Planejar traz harmonia
As mais de 20 espécies de plantas presentes no quintal da casa da arquiteta Ivone Brandão, estudante da Especialização em Paisagismo da Pós-Unifor, foram responsáveis pela sua escolha profissional durante a graduação, quando se encantou pela disciplina de Projeto de Paisagismo, lecionada pela professora Fernanda Rocha. “Existe nome para essa vontade de contato com a natureza, é Biofilia, termo criado por Eric Fromm”, explica Ivone.
Para ela, conhecer a flora cearense virou ciência. Na pós-graduação, tem desenvolvido uma pesquisa cujo intuito é catalogar diversas plantas locais em um site, o Florapédia. “Minha paixão é o uso das plantas nativas do Ceará, pois têm um enorme potencial paisagístico, são completamente adaptadas ao nosso clima e nosso solo e consequentemente consomem menos água e demandam pouca manutenção. O Florapédia, servirá para auxiliar estudantes, profissionais e amantes das plantas. É um trabalho continuado que conta com a parceria importantíssima no Innolab do NATI da Unifor”, ressalta.
Ivone Brandão possui mais de 20 espécies de plantas no quintal de casa (Foto: Arquivo pessoal)
Como dica aos jardineiros iniciantes, a arquiteta e urbanista, sugere: “veja vídeos de manejo, leia artigos, pergunte para os produtores, se informe para aprender o que as suas plantas gostam! Se você deseja uma aparência de jardim mais desenvolvido, o ideal é buscar um profissional para elaborar o seu jardim, pois serão necessárias plantas maiores, mais planejamento e conhecimento para que esse jardim esteja em harmonia”, destaca.
O planejamento também é importante para a sustentabilidade nas cidades. “Não devemos plantar um árvore aleatória, em qualquer calçada e de qualquer jeito, existem espécies adequadas para plantio em vias públicas, pois a infraestrutura verde precisa estar compatibilizada com as demais infraestruturas urbanas (iluminação, água, drenagem, esgoto, etc), por isso a importância do Manual de Arborização”, esclarece Ivone.
Para ela, esse viés sustentável, intrínseco à natureza, deve ser mais notório no dia a dia. “Uma cidade verde é uma cidade mais saudável, sustentável e feliz! Mas essa cidade ideal com cidadãos mais felizes, requer estratégias bastante políticas de planejamento urbano, execução e de participação popular”, finaliza.