null Dia do Orgulho LGBTQIA+: saiba mais sobre o movimento e sua busca por espaços na sociedade

Ter, 28 Junho 2022 11:18

Dia do Orgulho LGBTQIA+: saiba mais sobre o movimento e sua busca por espaços na sociedade

Discentes e docente da Unifor explicam a importância de celebrar a diversidade e da existência de lugares de apoio à comunidade LGBTQIA+ 


A bandeira Arco-Íris foi criada em 1979 pelo ativista gay estadunidense Gilbert Baker e é um dos maiores símbolos do Movimento LGBTQIA+ (Foto: Getty Images)
A bandeira Arco-Íris foi criada em 1979 pelo ativista gay estadunidense Gilbert Baker e é um dos maiores símbolos do Movimento LGBTQIA+ (Foto: Getty Images)

Em 1969, o bar Stonewall Inn, localizado no bairro Greenwich Village, epicentro da contracultura da cidade de Nova York, nos Estados Unidos, foi berço para o nascimento do Movimento LGBTQIA+. Naquele ano, as primeiras horas da manhã do dia 28 de junho guiaram drag queens, gays, lésbicas e travestis em um levante contra a repressão policial, que duraria, ao total, seis dias.

O episódio, considerado uma das mais importantes rebeliões civis da história, ficou conhecido como “Stonewall Riot” (“Rebelião de Stonewall”, em tradução livre), e foi uma resposta às ações violentas e opressivas da polícia, que realizava frequentes invasões a bares e boates gays da cidade. Desde então, todos os anos, nessa mesma data, é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ ao redor do mundo.

No Brasil, o movimento ganhou força durante o Regime Militar (1964-1985), em um contexto de grande coerção. Ao longo das décadas, com muita luta e sacrifício, a comunidade LGBTQIA+ obteve conquistas que ampliaram sua ocupação dentro da sociedade, como a despatologização da homossexualidade, em 1985, e a legalização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, em 2013.

Entretanto, em tempos de significativos avanços tecnológicos e mudanças sociopolíticas, o movimento ainda enfrenta grandes ondas de preconceito e ódio em sua busca por conscientização e igualdade social. Dessa forma, a contínua invalidação de corpos e identidades LGBTQIA+ e a proibição de sua participação em diversos espaços contribuem para que grande parte dessa população viva à margem da sociedade.

“A discriminação contra pessoas LGBTIQA+ pode provocar situações ainda de maior vulnerabilidade, na medida em que, muitas vezes, são as próprias famílias as primeiras a desconhecê-las como sujeitos plenos de direitos. Por esse motivo, são necessárias políticas públicas que considerem essas situações especiais de vulnerabilidade para que esses indivíduos possam ser incluídos socialmente”, enfatiza Ana Maria D'Ávila Lopes, professora do curso de Direito da Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz.

Preconceitos historicamente construídos

O Movimento LGBTQIA+ pode ser considerado relativamente “novo”, celebrando seu 53º aniversário em 2022. Mas, de acordo com a docente, que também coordena o Grupo de Pesquisa em Direito das Minorias e das Pessoas em Situação de Vulnerabilidade da Unifor, o que ele combate faz parte da estrutura hierarquizada da sociedade, historicamente construída a partir de duas estratégias: a discriminação explícita e a discriminação implícita.

A primeira defende a existência de seres humanos essencialmente diferentes e, como consequência, passíveis de uma organização hierárquica. Já a segunda forma reconhece a igualdade absoluta de todos os seres humanos, conceito a partir do qual se idealizou um ser humano universal, abstrato e neutro, ignorando as especificidades do ser humano concreto, real.

Lopes explica que, embora contrárias, as duas táticas foram utilizadas por um perfil dominante na sociedade que, historicamente, sempre esteve no poder para se manter nele: o padrão masculino, europeu branco, adulto, heterossexual, cristão, proprietário de bens e com saúde “integral”.


Ana Maria D'Ávila Lopes é coordenadora do Grupo de Pesquisa em Direito das Minorias e das Pessoas em Situação de Vulnerabilidade da Unifor (Foto: Ares Soares)

“São estratégias a partir das quais os preconceitos são construídos e internalizados na consciência e inconsciência tantos dos ‘dominadores’ como dos ‘dominados’, de modo que se enraízam tanto nas estruturas estatais como nas sociais, perpetuando a concepção sobre a existência de um ‘modelo de ser humano ideal’. Quanto mais alguém se afasta desse modelo, mais discriminado é”, pontua a coordenadora.

Assim, apesar das importantes conquistas alcançadas nos últimos anos para reverter essa concepção hierarquizante, as quais englobam os feitos do movimento LGBTQIA+, há ainda um longo caminho a ser percorrido para que a dignidade de todo ser humano seja reconhecida e respeitada. Portanto, a docente afirma que é necessário entender que os seres humanos são, no contexto ontológico, iguais, mas, no âmbito existencial, todos são diferentes, seja por motivo de raça, cor, idade, gênero, sexo, origem, entre outros aspectos. 

Em busca de uma sociedade livre, justa e solidária

Em sua fala, Ana Maria não esquece de reforçar que a desigualdade é uma das responsáveis por colocar os indivíduos em situação de vantagem ou desvantagem, e que deve-se combater a ela, e não a diferença, pois essa segunda é “que faz de cada ser humano um ser único e valioso em si mesmo”. A diversidade é uma riqueza que deve ser celebrada, mas é necessário que essa comemoração ultrapasse os trinta dias do mês de junho – o “mês do orgulho”, marcado por manifestações de apoio à comunidade LGBTQIA+.

Formular e implementar políticas públicas que visem direitos básicos para integrantes desse movimento exige um grande salto político, bem como a criação de espaços seguros e acolhedores. Ainda assim, a professora afirma que essas “barreiras” não excluem a obrigação da sociedade em respeitar essas pessoas, nem de contribuir para que essa meta estatal seja alcançada. 

“Não é por uma questão de culpa, mas de responsabilidade enquanto cidadãos, que se tem a obrigação constitucional de contribuir com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Todos somos diferentes, e é justamente pelo respeito que cada um exige para si, que se deve respeitar o outro, tão humano quanto eu mesmo sou. Viver em sociedade exige isso: reconhecer nossa humanidade compartilhada”, finaliza Lopes.

Estudar, ouvir e estar disposto a aprender

Maria Julia Martins Pontes, mulher cis, lésbica e aluna do curso de Psicologia da Unifor, encontrou no Laboratório de Estudos sobre Processos de Exclusão Social (LEPES), do Programa de Pós-Graduação em em Psicologia (PPGP) da institiuição, um lugar de apoio e acolhimento. Pontes conheceu o LEPES durante o seu terceiro semestre de graduação, mas só chegou a integrar o laboratório em seu oitavo período. 

A futura psicóloga explica que gosta muito das discussões que o laboratório traz, tanto no ambiente em si, como nos grupos de estudo que ele promove, como os sobre “Gênero e Sexualidade”, “Sexismo” e “Feminismos Latino-Americanos”. Os grupos são ministrados por estudantes, tanto da graduação como da pós-graduação, o que, para ela, resulta em uma troca de igual para igual entre os participantes.


Prestes a começar o nono semestre, Maria Julia Martins Pontes diz que cursar psicologia ampliou sua perspectiva sobre diversas temáticas, porque, apesar de ser uma mulher LGBT, ela ainda estava em uma posição muito privilegiada, mas que estudar e conviver com outras pessoas conseguiu expandir ainda mais sua visão. (Foto: Arquivo Pessoal) 

“Eu gosto muito dessas discussões, de ver outras perspectivas. [O LEPES] é um laboratório que, para mim, é muito importante. Quando eu entrei, ele abriu várias portas, tanto pessoal quanto profissionalmente. [...] Eu sempre me senti muito bem acolhida no laboratório. Lá é um ambiente super receptivo, as pessoas são super receptivas e sempre tentam trazer você para mais perto”, afirma a estudante.

Ao ser questionada sobre sua relação com o Movimento LGBTQIA+, Maria Julia diz que o considera muito importante, porque “quando você tem um grupo e se sente pertencente a ele, você se identifica e se sente representado”. A graduanda diz sempre se manter atualizada sobre as notícias que envolvem a comunidade, assim como os demais movimentos que ela engloba, e sempre tenta comparecer aos eventos, como a tradicional Parada LGBTQIA+ do mês de junho. 

Para Pontes, se engajar na causa é algo super importante porque, mesmo sendo jovem, alguns aspectos ainda são difíceis de entender, e estão sempre estão surgindo novos debates. “Mas eu acho que você tem que estar sempre tentando, se atualizando e compreendendo, porque são diversas vivências, são diversos corpos, são diversas pessoas. É uma pluralidade muito grande, e eu acho que é isso: é sobre estar estudando, é sobre estar ouvindo pessoas, é sobre estar disposto a aprender”, reforça a aluna de psicologia. 

Lugar de apoio

Assim como Maria Julia, Lune Alves também estuda Psicologia e encontrou no LEPES um espaço seguro e receptivo. Lune é uma pessoa trans não-binária agênero: ou seja, não se identifica com nenhum dos gêneros, tanto feminino, quanto o neutro e o masculino. Embora Alves utilize todos os pronomes (ela/ele/elu), priorizaremos a linguagem neutra para esta reportagem, conforme sua sugestão.

Desde a infância, Lune participava de projetos de ações sociais, e foi a partir de uma dessas iniciativas, realizada com crianças de até doze anos, que decidiu cursar Psicologia. “Eu trabalhava com crianças muito novas, e elas estavam precisando de um psicólogo. Então eu pensei ‘vou fazer psicologia para depois voltar e ajudar esses indivíduos que precisam de uma escuta qualificada’”, explica.

As potências e conhecimentos que ê future psicólogue adquiriu durante todos esses anos trabalhando em projetos sociais foram aplicados, e ampliados, em suas atividades no LEPES. Ê alune começou a participar do laboratório ainda durante o primeiro semestre da Universidade por meio de um grupo de estudos sobre feminismo. Nessa época, Alves estava se descobrindo como pessoa trans e conta que se sentiu muito acolhide, especialmente pelas mediadoras do grupo. 

De acordo com ê estudante, a ideia do LEPES é trabalhar temáticas sociais e, em 2020.2, Lune passou a mediar o grupo sobre Gênero e Sexualidade, o que faz até hoje. Sua atuação no laboratório é, de acordo com elu, muito voltada para uma realidade de trazer à tona essa parte social, e de passar informações para os que não sabem muito, ou sabem e querem discutir sobre esses assuntos. 


Lune Alves sente-se acolhide por grupos de pesquisa da Unifor (Foto: Arquivo pessoal)

“Uma das coisas que a gente conversa muito é que os grupos se tornaram um lugar de apoio. O grupo sobre gênero e sexualidade, por exemplo, é totalmente voltado para o público LGBT, mas a gente também estuda sobre diversos assuntos, como temáticas feministas, capacitismo dentro da comunidade LGBTQIA+ e racismo. O laboratório traz diversos temas e a gente os discute dentro de uma perspectiva de gênero e sexualidade”, explica ê mediadore.

Para além de um lugar de apoio, Lune encontrou no LEPES, assim como em suas coordenadoras e integrantes, um “lugar de família”, como elu mesmo aponta. Dentro do laboratório, ê estudante sempre se sentiu extremamente respeitade, compreendide e acolhide desde o início, aspectos fundamentais não só para sue desenvolvimento profissional, como também pessoal.

Disposta a aprender

A Universidade de Fortaleza está comprometida com a diversidade de todos aqueles que pertencem à sua comunidade acadêmica e aproveita esta data para salientar que está aberta ao diálogo,  demonstrando apoio total à luta pela igualdade e condenando atos de preconceito, discriminação e violência contra qualquer um de seus membros.