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Seg, 3 Abril 2023 12:17

Entrevista Nota 10: Connie McManus e o fortalecimento das redes de pesquisa

Ex-diretora de Relações Internacionais da CAPES, a PhD explica a importância e o impacto das redes de pesquisa, além de falar sobre o panorama delas no Brasil, as perspectivas para o futuro e a internacionalização da produção científica


Ela é professora da Universidade de Brasília e membro da Academia Mundial de Ciências (Foto: Ísis Rebouças)
Ela é professora da Universidade de Brasília e membro da Academia Mundial de Ciências (Foto: Ísis Rebouças)

No mês de março, a Vice-Reitoria de Pesquisa (VRP) da Universidade de Fortaleza — instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz — convidou a Ph.D. Connie McManus para falar sobre os impactos das redes de pesquisa. Ela possui uma rede de colaboradores de mais de 700 pessoas em publicações nacionais e internacionais, além de ser revisora em 38 revistas científicas ao redor do mundo e em 11 agências de fomento.

Nascida na Irlanda e naturalizada brasileira, a agrônoma é formada pela University College Dublin, possui mestrado em Genética e Melhoramento Animal pela Universidade de Edimburgo, doutorado pela Universidade de Oxford e pós-doutorado pela Universidade de Sidney. Publicou mais de 400 artigos em periódicos, 26 capítulos de livro e 550 resumos em congressos, além das centenas de orientações acadêmicas.

Connie, apelido adotado por Concepta Margaret McManus Pimentel, foi membro do conselho do International Institute For Applied Systems Analysis (IIASA) e participa da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciências. A ex-diretora de Relações Internacionais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é docente da Universidade de Brasília (UNB), com bolsa de produtividade 1A, e Comendadora da Ordem Nacional de Mérito Científico.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, a professora explica a importância e o impacto das redes de pesquisa, além de falar sobre o panorama delas no Brasil, as perspectivas para o futuro e a internacionalização da produção científica.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 – Professora, em termos gerais, qual a situação das redes de pesquisa no Brasil? 

Connie McManus – O Brasil vem crescendo nas áreas de produção de conhecimento e de interação internacional. Mas, infelizmente, nos últimos dois anos, começa uma queda nessa interação, tanto por não ter havido muito investimento no campo da ciência como por ter bastante desestímulo dentro das universidades em termos de fazer pesquisa e de divulgação científica. Tem problemas de pagamento na publicação em revistas de alto impacto, começamos a ver que os parques tecnológicos e equipamentos de laboratório ficando velhos. Há novas tecnologias e, para publicar bem, temos que estar sempre a par do que está acontecendo no mundo. Então o Brasil precisa reinvestir para que haja um retorno ao crescimento e à reinserção internacional.

Entrevista Nota 10 –  Nos últimos dois anos, houve algum impacto em relação à pandemia?

Connie McManus – O que aconteceu foi interessante. Nos primeiros dois anos da pandemia, na realidade, o Brasil continuou publicando. O impacto vem dois anos depois. Mas esse é o ciclo normal da pesquisa: você faz um estudo, analisa, reedita os artigos e manda para publicar. Isso leva dois anos. E muitos professores, antes da época da pandemia, tinham muitos artigos na gaveta esperando.

O que saiu nesse período, na verdade, talvez seja o que restou de publicações, pesquisas e recursos que já havia em caixa, mas que agora esgotou. Antes estava tudo crescendo, e agora vemos essa inversão, muito por causa dessa falta de recursos e estímulos na ciência no Brasil.

Entrevista Nota 10 – Qual o impacto das redes de pesquisa para o avanço científico e tecnológico da sociedade?

Connie McManus – É inegável que as instituições de pesquisa, tanto no Brasil quanto no mundo, estão fazendo estudos para melhorar a qualidade de vida da população. Algumas são áreas básicas — o que, por vezes, é muito difícil de ver a aplicabilidade dessas pesquisas. Porém, quando vamos mais à frente, se pensa no avanço da agricultura brasileira: o que o segura hoje em dia o PIB do país, muitas vezes, é a agricultura.

Mas 90% das pesquisas são feitas dentro das universidades públicas e privadas aqui no Brasil, e esses são empregos diretos e indiretos. Vemos também as questões sociais, do transporte, de melhoria da qualidade do ar. Tudo isso é feito dentro das universidades brasileiras, às vezes com a colaboração internacional, muitas vezes sem. Então, muitas coisas que vemos são reflexo de pesquisas que foram feitas nas academias.

Agora as universidades têm um problema: elas não divulgam o que estão fazendo. Elas pensam “é óbvio que isso é importante, como que você não sabe?”. Essa questão da divulgação científica é algo que o Brasil precisa investir muito. Porque não é “só” fazer a pesquisa, tem que mostrar o que ela é e como está impactando a sociedade também. Isso é tão importante quanto mostrar o que foi feito. Mostrar como um investimento realmente se reverteu em resultado, e a sociedade então consegue entender.

Entrevista Nota 10 – Como as redes de pesquisa podem ampliar níveis de publicação e impacto?

Connie McManus – É aquela coisa: se a pessoa faz uma pesquisa sozinha, ela tem um pensamento só dela que é, muitas vezes, linear, fechado. Na hora que começamos a conversar com pessoas que não pensam igual a nós, que são de outras áreas de conhecimento ou que tenham ideias diferentes — por exemplo, estamos trabalhando no mesmo assunto e você tem uma ideia e eu tenho outra, temos que entrar em acordo sobre o tema: você coloca seus argumento e eu coloco os meus —, quando sai o resultado, estamos em acordo, então o resultado é mais sólido. Com isso, aumentamos a qualidade do que está sendo produzido.

Vemos que muitos dos problemas que temos hoje são problemas complexos, como, por exemplo, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Então não é uma área de conhecimento que vai resolver aqueles problemas, são todas. Portanto, temos que trabalhar em rede para fazer com que o resultado seja sólido, sustentável e que garanta um futuro para o planeta.

Entrevista Nota 10 – Quais os caminhos para desenvolver uma rede de pesquisa?

Connie McManus – Uma coisa que precisa ser feita é que temos que produzir o que seja visível. Você tem que produzir ciência de qualidade e divulgá-la. Quem não te conhece pensa “Nossa, esse assunto é interessante!”. As pessoas vão muito publicar artigos em congressos, mas também têm de fazer divulgação científica. Têm que, às vezes, colocar a “cara a tapa”, ir para conversar com pessoas. É muito importante isso no campo do saber. Têm que fazer estágios, têm que mandar alunos. Uma série de ações que vão ajudar que o pesquisador e a instituição sejam reconhecidos dentro daquela área de conhecimento.

Estudos mostram que as pessoas usam muito a tecnologia, mas não usam na questão da divulgação. Fazer uso do Twitter, Instagram, blogs, páginas, imprensa e outras ações, que são tão importantes quanto a pesquisa, para chamar atenção. A gente fala “seja fonte de fofoca científica”. Fazer coisas de uma forma diferente para chamar atenção e fazer de maneira diferente a pesquisa.

Entrevista Nota 10 – Como as redes de pesquisa impactam na internacionalização da produção científica?

Connie McManus – É nítido que a colaboração internacional dobra ou triplica o impacto da ciência feita, principalmente por causa de várias coisas. Uma delas é a qualidade, porque para ter um contato internacional, você tem que estar fazendo a pesquisa de qualidade, vai colocar o melhor que pode para a colaboração internacional. Eles exigem mais, o que também ajuda a publicar em revistas melhores. Publicar open access, por exemplo. As revistas brasileiras de acesso aberto tendem a ter baixo impacto e as do exterior têm alto impacto. Então como podemos publicar acesso aberto de alto impacto? Se não tem dinheiro no Brasil, juntando estrangeiros no mesmo grupo de pesquisa, conseguimos, às vezes, que eles paguem esses valores. Assim aumentamos a visibilidade do nosso grupo de pesquisa e não só a qualidade, mas também a visibilidade dos artigos que estão sendo feitos.

Entrevista Nota 10 – Qual deve ser o papel das entidades públicas e privadas, incluindo o terceiro setor, no fomento e fortalecimento das redes de pesquisa?

Connie McManus – As universidades têm que, primeiramente, saber o porquê que elas estão produzindo ciência e também não querer serem boas em tudo, porque essa é uma coisa impossível. Por exemplo, a Universidade de Fortaleza. Quem é a Unifor? Qual é o papel dela em responder a esses problemas ou desafios internacionais que existem? A partir daí, você tem que tomar a decisão de quais são as prioridades de financiamento. Quando for financiar, como vai ser feito isso? Não adianta financiar coisas que não vão dar retorno. Simplesmente jogar mais dinheiro dentro de um buraco não é a solução. Tem que criar políticas públicas que realmente tragam impacto para a pesquisa brasileira.

Então, quais são os objetivos que você quer? Quer desenvolvimento de uma instituição ou região? Sua região é agrícola e você está fazendo pesquisas sobre astronomia? Você tem que casar o financiamento com a demanda também. Temos que ver quais são as coisas que estão faltando em nosso ensino. Por exemplo, a “língua da ciência” hoje é o inglês. Quais são as políticas públicas para a formação de mais alunos em inglês? Essa não é a função das universidades, que é a de fazer pesquisa. Essa é uma questão mais de base. A formação de políticas sobre esse setor são fundamentais para que cheguemos no final com uma ciência de qualidade, que seja visível e que resolva as questões da sociedade.

Entrevista Nota 10 – Qual seria a rede de pesquisa para servir de referência ao Brasil?

Connie McManus – A questão é que cada área de conhecimento tem as suas redes. Não dá pra dizer que existe uma só. Tem que identificar qual é o problema que você quer solucionar e aí então buscar redes que existem, nacionais e internacionais, para a solução dessas questões. Vemos, por exemplo, nos indicadores, que a Unifor está muito bem em algumas áreas, então ela tem redes fortes nesses âmbitos. Aqueles em que está fraca, ela tem que investir mais fortemente. Mas é aquilo: quem é você? Qual é o seu objetivo? Não adianta querer ser tudo para todos.