null Entrevista Nota 10: Fernando Gaburri e o Direito Civil como ferramenta de inclusão e acessibilidade

Seg, 13 Novembro 2023 16:55

Entrevista Nota 10: Fernando Gaburri e o Direito Civil como ferramenta de inclusão e acessibilidade

O promotor de justiça do MP-BA fala sobre inclusão e acessibilidade de pessoas com deficiência por meio do direito civil e comenta sobre sua participação no “Seminário em Alusão ao Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência”


Mestre em Direito Civil e doutor em Direitos Humanos, Fernando é presidente da Comissão dos Promotores de Justiça de Família do IBDFAM (Foto: Arquivo pessoal)
Mestre em Direito Civil e doutor em Direitos Humanos, Fernando é presidente da Comissão dos Promotores de Justiça de Família do IBDFAM (Foto: Arquivo pessoal)

Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui 18,6 milhões de pessoas com deficiência (PcD). Os dados, advindos da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2022, demonstram que essa amostragem equivale a 8,9% da população.

Apesar de ter uma legislação que é referência em inclusão na América Latina com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), o país ainda enfrenta diversas barreiras de acessibilidade e inclusão, seja no comportamento social cotidiano ou no âmbito jurídico. É o que explica Fernando Gaburri, promotor de justiça do Ministério Público da Bahia (MP-BA).

“O Brasil tem uma legislação muito moderna e bem estruturada. Infelizmente, algumas vezes, os operadores do direito e a sociedade demonstram desconhecimento ou desinteresse na correta aplicação da lei. Creio que neste ponto ainda precisamos evoluir muito”, afirma.

Fernando, que é Presidente da Comissão dos Promotores de Justiça de Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), acredita que a barreira mais complexa a ser rompida é, possivelmente, a atitudinal, pois é a partir dela que os demais problemas surgem.

“Convencer as pessoas de que acessibilidade é algo bom para todos não é uma tarefa fácil. As pessoas em geral só dão valor a uma rampa ou a um elevador, por exemplo, quando se acidentam, engravidam, atingem a obesidade ou a senilidade, e não podem deambular pelas escadas. Aí percebem que a acessibilidade também pode ser algo interessante para quem não tem deficiência”, relata.

Graduado em Direito pelo Instituto Vianna Júnior, o promotor de justiça é mestre em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e doutor em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo (USP). Também possui título de especialista em Direito Previdenciário pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

O jurista é docente de Direito Civil da UERN e professor convidado em cursos de pós-graduação, além de ministrar cursos preparatórios para carreiras jurídicas e ser palestrante. Fernando já foi Conselheiro Presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência de Natal (COMUDE) por dois mandatos e Procurador do Município de Natal, no Rio Grande do Norte.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, ele fala sobre inclusão e acessibilidade de pessoas com deficiência por meio do direito civil e comenta sobre sua participação no “Seminário em Alusão ao Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência”, que aconteceu em setembro na Universidade de Fortaleza — instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Conhecida como uma das mais inclusivas das Américas, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência chegou a mudar leis já existentes para estarem de acordo com a nova legislação. O que faz a justiça do Brasil se destacar na promoção de inclusão e acessibilidade?

Fernando Gaburri — A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI)  procurou adaptar a legislação brasileira às normas da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), da ONU, da qual o Brasil é signatário. No cumprimento desta tarefa, a LBI reconheceu direitos e alterou dispositivos de outras leis visando garantir igualdade de tratamento às pessoas com deficiência.

O Brasil tem uma legislação muito moderna e bem estruturada. Infelizmente, algumas vezes, os operadores do direito e a sociedade demonstram desconhecimento ou desinteresse na correta aplicação da lei. Creio que neste ponto ainda precisamos de evoluir muito.

Entrevista Nota 10 — Mesmo com esse reconhecimento internacional, ainda há o que evoluir no direito civil brasileiro para melhorar a acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência? Poderia citar algum exemplo?

Fernando Gaburri — Uma das alterações mais significativas trazidas pela LBI refere-se à capacidade civil, à criação da tomada de decisão apoiada e à restrição da curatela da pessoa com deficiência apenas para casos excepcionais. O reconhecimento de direitos pelo Estado deve vir acompanhado de instrumentos que possam contribuir para o rompimento de barreiras das mais variadas espécies (barreiras arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações, nas atitudes etc).

Talvez a barreira mais complexa de ser rompida seja a atitudinal, pois é a partir dela que surgem as outras. Convencer as pessoas que acessibilidade é algo bom para todos não é uma tarefa fácil. As pessoas em geral só dão valor a uma rampa ou a um elevador, por exemplo, quando se acidentam, engravidam, atingem a obesidade ou a senilidade, e não podem deambular pelas escadas. Aí percebem que a acessibilidade também pode ser algo interessante para quem não tem deficiência.

Outro exemplo interessante é o da Constituição Federal, que desde 1988 prevê que os logradouros públicos e os veículos de transporte coletivo deverão ser construídos ou adaptados para a utilização das pessoas com deficiência. É perceptível que, passadas três décadas e meia, essa determinação ainda é muito pouco cumprida.

Entrevista Nota 10 — Apesar da adaptação para braile ser uma alternativa essencial, esse processo pode não seguir a mesma velocidade com a qual a literatura jurídica se atualiza e publica novos conteúdos. Quais são as medidas tomadas pela justiça brasileira para promover essa acessibilidade a pessoas com deficiência visual, especialmente a profissionais que trabalham em órgãos públicos? Elas são suficientes ou se faz necessária alguma mudança?

Fernando Gaburri — A escrita e leitura braile, embora de reconhecida importância, tornou-se incompatível com a dinâmica da atividade judicial, em razão do alto custo da produção de material nesse formato, além do tempo necessário para a sua impressão. As pessoas com deficiência visual que tenham conhecimento básico de informática conseguem, com razoável desenvoltura e com a utilização de software leitor de telas, navegar nos sites e plataformas do Poder Público.

A legislação brasileira determina que o Poder Público, ao desenvolver um site ou plataforma de tramitação de processos, observe os padrões internacionais de acessibilidade para viabilizar o acesso e a efetiva participação da pessoa com deficiência. Isto também vale para os concessionários de serviço público, a exemplo de água, energia e transporte aéreo, que devem observar a acessibilidade em seus sites e plataformas para a acessibilidade dos consumidores com deficiência. Trata-se de um direito legalmente previsto, mas que algumas vezes é ignorado.

Entrevista Nota 10 — No seu canal “Simplificando o Direito Civil”, você traz vídeos explicativos sobre questões jurídicas e conversas com personalidades do direito. Além disso, lançou em abril o livro “Direito das Famílias”, da coleção “Simplificando o Direito Civil” (Editora Dialética). Como você utiliza essas iniciativas para ampliar a discussão de acessibilidade? 

Fernando Gaburri — No canal Simplificando o Direito Civil (@fernandogaburri), procuro trazer de forma simples e objetiva o debate de temas atuais e relevantes do direito civil voltados aos direitos das pessoas com deficiência, além de analisar questões de concursos públicos. 

No livro “Direito das Famílias”, da coleção “Simplificando o Direito Civil”, procuro trazer um enfoque atual e humanizado dos institutos jurídicos, abrangendo todo o conteúdo do componente curricular. Nele constam algumas das ideias que busco difundir com as minhas aulas e a atuação profissional como Promotor de Justiça e como membro de associações voltadas ao direito civil e aos direitos das pessoas com deficiência. Além da versão impressa, o livro também está disponível em plataformas digitais, que permitem a leitura por pessoas com deficiência visual.

Entrevista Nota 10 — Em setembro, você participou do painel “Acessibilidade e Cidades Inteligentes” no Seminário em Alusão ao Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, evento promovido pelo Ministério Público Estadual e sediado na Universidade de Fortaleza. Como foi a experiência? Qual a importância de trazer esses debates para dentro dos espaços acadêmicos?

Fernando Gaburri — Na oportunidade discorri sobre igualdade, tecnologia e capacitismo para uma plateia muito interessada no assunto e bastante diversificada, inclusive com a presença de pessoas com deficiência e serviço de audiodescrição. Ressaltei a importância de que as novas soluções tecnológicas também sejam acessíveis para usuários/consumidores com deficiência.   

A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência impõe ao Estado e a toda a sociedade o dever de conscientização sobre os direitos das pessoas com deficiência e a necessidade de que sejam tratadas com igualdade. Eventos como o que ocorreu em Fortaleza, com a parceria entre MP-CE e Unifor, contribuem para que a pauta esteja sempre na ordem do dia, fator necessário para a sensibilização da sociedade e das autoridades.