null Os avanços da ciência em nossas vidas: qual o papel da ética para a saúde?

Qui, 19 Novembro 2020 11:19

Os avanços da ciência em nossas vidas: qual o papel da ética para a saúde?

Profissionais destacam a importância do cuidado com a vida humana diante do uso das diversas tecnologias


Os avanços da ciência no campo da saúde: questões éticas estão presente desde a concepção das pesquisas científicas (Foto: Ares Soares)
Os avanços da ciência no campo da saúde: questões éticas estão presente desde a concepção das pesquisas científicas (Foto: Ares Soares)

Do grego ethos, o termo ética apresenta dois significados: caráter e costume. No campo da filosofia, um conjunto de valores morais que fazem parte de um grupo ou do indivíduo. A ética está ligada, sobretudo, à ações pessoais que podem ser classificadas como corretas ou incorretas. 

Em meio aos avanços da ciência subsidiados pela tecnologia, os profissionais de medicina enfrentam desafios cotidianos em relação ao bem-estar e à saúde dos pacientes. Diversos são os temas que ganham espaço de debate também na esfera pública, tais como a clonagem, o aborto e a eutanásia. 

Para Helvécio Neves Feitosa, presidente do Conselho Regional de Medicina do Ceará (CREMEC) e professor do curso de Medicina da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, “o médico deve acompanhar o avanço da tecnologia e buscar dominá-la em benefício do paciente. Nem sempre o que é novo é melhor do que o que já existe e, com frequência, é mais caro. Há que se ter uma preocupação com a relação custo/benefício, pois os recursos destinados à saúde são finitos”, destaca. 

Segundo o professor, o progresso das descobertas científicas é mais veloz que a reflexão moral acerca delas, o que gera dilemas e descompassos. “Apesar do progresso em curso, defronta-se com graves responsabilidades morais, decorrentes da intervenção cada vez mais agressiva do homem no planeta, com repercussões para as gerações atual e futura, não só sobre os humanos, mas sobre todas as formas de vida”, afirma.

Neste sentido, os Conselhos de Medicina atuam para assegurar o cuidado e a transparência para com os pacientes e buscam avaliar se as tecnologias podem interferir de forma negativa na saúde e na dignidade humana. 

O Dr. Helvécio explica quais são princípios da Bioética a serem seguidos: “autonomia dos pacientes, beneficência, não-maleficência e justiça. O paciente deve ser informado honestamente, em linguagem sem tecnicismos, sobre os riscos e benefícios das intervenções, as opções profiláticas e terapêuticas que se aplicam ao seu caso e, de forma autônoma, deve decidir o que considera que é melhor para ele”, ressalta. 

Ética e medicina na pandemia 

Os dilemas éticos são enfrentados pelos profissionais de saúde desde o início da pandemia de Covid-19 com o cenário de calamidade pública. A intensificação da demanda por equipamentos, medicamentos e tratamentos levou ao alto consumo e à escassez, portanto, surgem decisões complexas a serem tomadas por quem está na linha de frente do combate à doença. 

“Nos primeiros meses da pandemia houve grande carência de respiradores e outros insumos, como máscaras com diferentes graus de proteção e aventais, por exemplo. O número de pacientes necessitando de respiradores era bem acima da disponibilidade existente. Tais situações implicam em escolhas extremamente difíceis do ponto de vista ético”, relembra Helvécio. 

Para o neurocirurgião Eduardo Jucá, professor do curso de Medicina da Unifor e conselheiro do CREMEC, a ética é também uma das principais aliadas no cotidiano hospitalar contra o coronavírus. “A pandemia de Covid-19 tem imposto grandes dilemas éticos e levado os profissionais de saúde a situações extremas em que a reflexão e o retorno aos princípios bioéticos têm sido extremamente necessários”, enfatiza. 

Ainda segundo ele, algumas das questões vivenciadas pelos médicos que estão no front são: “Diante de escassez de condições, que grupos devem prioritariamente ter acesso aos recursos de saúde? Em situações de calamidade sanitária, qual o nível de evidência científica necessária para o emprego de uma medicação? Em que ponto é possível reduzir a autonomia e a liberdade de deslocamento dos indivíduos em nome da contenção da disseminação do vírus e da preservação da saúde da comunidade?”, pontua o Dr. Eduardo. 

“Enfrentamos também o problema de formação profissional com expertise em lidar com pacientes com as formas mais graves da doença, que precisam de UTI, uso de respirador, bem como outros procedimentos diagnósticos e terapêuticos de alta complexidade. Não havia pessoal suficientemente treinado para tal circunstância (lidar com pacientes críticos), além da quantidade insuficiente de leitos de UTI”, acrescenta Helvécio Neves. 

Ética na pesquisa científica

A Universidade de Fortaleza, preocupada com a qualidade de suas pesquisas e com as questões ética e de desenvolvimento humano relacionadas àquelas, constituiu o Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (Coética), uma entidade colegiada independente, interdisciplinar, normativa de caráter consultivo, deliberativa e educativa, com o objetivo de defender os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade.  

“O foco é o ato de pesquisar com identificação e minimização de riscos, estimativas de benefícios para os participantes da pesquisa e para a sociedade e condução de toda a pesquisa com ética e respeito aos princípios da bioética, como a autonomia”, explica o professor Aldo Angelim, coordenador do Coética. 

Cabe também ao Coética contribuir para o desenvolvimento da pesquisa dentro dos padrões éticos no âmbito de sua competência. “Nosso papel é avaliar eticamente os projetos de pesquisas, antes mesmo que eles comecem a coletar dados; sendo assim nossas atividades envolvem a identificação de riscos/benefícios, se o projeto está adequado eticamente e se os participantes da pesquisa, aquelas pessoas que são convidadas a entrarem em determinado estudo, estão de uma certa forma protegidas e/ou esclarecidas”, destaca o coordenador. 

Sobre o novo coronavírus, o professor Aldo Angelim destaca como as pesquisas para o desenvolvimento de vacinas eficazes também são embasadas pela questão ética. “Precisamos urgente de uma vacina, mas esta tem que ser pesquisada e analisada com vários grupos populacionais para se saber sua eficácia, seus riscos. E para ser autorizada a testagem em participantes, o projeto de pesquisa tem que ser apreciado por um Comitê de Ética em Pesquisa. Isso aconteceu com todas as vacinas que estão sendo pesquisadas nesse momento”, assegura.