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Qui, 24 Setembro 2020 15:41

Sem baladas, jovens buscam alternativas de lazer e cuidam da saúde mental em casa

Em meio ao distanciamento social provocado pela pandemia de Covid-19, a juventude tem novas atividades e hobbies


Vinícius Negreiros, estudante de Publicidade e Propaganda da Unifor, aproveita o tempo em casa para assistir a séries (Foto: Arquivo pessoal)
Vinícius Negreiros, estudante de Publicidade e Propaganda da Unifor, aproveita o tempo em casa para assistir a séries (Foto: Arquivo pessoal)

Sair para espairecer? A verdade é que quando as batalhas com o mundo exterior são travadas, o mundo interior também padece, de forma que, na atual conjuntura de pandemia, sair de casa para eventos sociais como baladas e festas não é lá uma das alternativas mais seguras para os jovens ou pessoas de qualquer outra faixa etária. 

Recentemente o Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry publicou um estudo cuja conclusão é de que crianças e adolescentes são mais suscetíveis a desenvolverem quadros de ansiedade e depressão durante e depois do isolamento. Ao todo, foram analisados 83 estudos sobre o tema publicados entre 1946 e 2020. 

Para Marta Negreiros, estudante de Jornalismo da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, a ansiedade veio com força durante a fase de lockdown na capital cearense. “Como moro sozinha, na fase de isolamento mais rígido sofri mais com a ansiedade. Fui diagnostica com o transtorno aos 15 anos e não é algo novo pra mim. Há pouco mais de um ano entrei numa fase de controle da doença que me ajudou muito durante esse período de pandemia, mas mesmo assim, houve dias complicados”, afirma. 

A jovem, que aprecia montar sua programação de lazer aos finais de semana, relata a saudade de ir à festas e shows. “Saia todos os finais de semana, estava na maioria dos shows e festas, sempre foi algo que gostei bastante e era rotina pra mim. Sinto falta de encontrar as pessoas de surpresa nas festas, de conhecer gente nova, do contato. É uma das coisas que mais me deixa impaciente”, destaca. 

Assim como Marta, Douglas Cavalcante, acadêmico de Psicologia da Universidade de Fortaleza, sente os impactos da pandemia no cotidiano social que tem importância para as experiências típicas da juventude. Manter o contato somente virtual com os amigos, por exemplo, não é um desafio simples. “É bem difícil. No começo foi estranho até de interagir porque eu me senti mais solicitado e não dava conta. Todas as minhas interações passaram a ser somente virtuais, então o WhatsApp lotava mais rápido que nunca e eu não estava preparado pra passar o dia inteiro grudado ao celular, não era um hábito”, explica.

Nos planos do estudante, retornar à rotina festiva será uma realização. “Estou louco para voltar a andar pelo Dragão do Mar e pela Rua dos Tabajaras”, enfatiza sobre o interesse pelos pontos de Fortaleza que movimentam a vida noturna dos jovens. 

Encontrar novas diversões 

Vinícius Negreiros, aluno do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade de Fortaleza, é enfático sobre o caráter atípico presente no atual momento de crise global. “Eu não esperava que fosse acontecer uma coisa assim tão repentina que desestabilizasse nossa rotina”, declara. 

Com a queda nos casos de contaminação pela Covid-19, ele tem encontrado os amigos com mais frequência e diminuído o uso do celular. “No início foi difícil conciliar a quarentena com ficar o tempo todo em casa. Não tinha mais nada pra fazer a não ser estudar, ler e assistir Netflix. Os pensamentos eram a mil, a ansiedade logo chegou e me desestabilizou nesse período, mas depois eu me adaptei e melhorei”, relembra. 

Mesmo com o afrouxamento do isolamento, manter o cuidado e evitar aglomerações se mostra uma preocupação essencial para muitos jovens como Douglas Cavalcante, que atualmente organiza uma comemoração virtual de Halloween. “Também participei de alguns aniversários pelo meet e por lives no Instagram”, comenta. 

Além disso, descobrir novos hobbies ajudam a encontrar caminhos positivos para enfrentar a solidão. A leitura tem sido uma aliada de Douglas e o cuidado com a saúde mental também ganhou prioridade em sua agenda pessoal. “Tento criar uma rotina de alimentação, treinos, estudos e aproveito para passar mais tempo com minha família, estamos maratonando Vampire Diaries (seriado norte-americano)”, conta. 

Para Marta Negreiros, o foco no trabalho e os encontros virtuais com os amigos contribuíram para lidar melhor com o sentimento de ansiedade. “Como trabalho em redação, não parei de trabalhar e como na minha área o home office é inviável, fui presencialmente a pandemia inteira”. E complementa sobre os amigos: “no auge das lives que os cantores fizeram a gente se ligava por chamada de vídeo e tentávamos curtir juntos”.

Fazer atividades prazerosas e descansar também são prioridades: “medito todos os dias, tento ter 8 horas de sono e tiro um tempo para fazer coisas que gosto como assistir futebol, ver série ou ler. Aprendi bastante coisa sobre mim mesma, tive mais tempo de me dedicar a coisas que gosto de estudar”, Marta faz um balanço positivo. 

Saúde mental na juventude

O psicólogo clínico Lucas Bloc, professor do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza e pós-doutorando do APHETO (Laboratório de Psicopatologia e Clínica Humanista Fenomenológica), pertencente ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Unifor,  responde a algumas questões relacionadas ao cuidado com a saúde mental dos jovens durante a pandemia. Confira a entrevista a seguir: 

Como os jovens estão encarando o isolamento social afastados do seu lazer, que é imprescindível nessa idade?

Lucas Bloc - A necessidade de isolamento social tem tocado amplamente a vida das pessoas, alterando rotinas e impondo mudanças significativas no modo se relacionar e de realizar as tarefas do cotidiano. No caso dos jovens universitários, o isolamento social exige que outras formas de estudo e de lazer se adequem ao momento atual. Considero que os jovens têm recorrido de maneira significativa às redes sociais e a outros meios de contato para terem momentos de lazer, de diversão e de troca. No entanto, é importante destacar que alguns jovens têm tido mais dificuldade e têm sofrido certos impactos emocionais diante de tudo que estamos vivendo. O isolamento social, sobretudo entre março e julho, exigiu uma reorganização de vida, tornando comuns experiências de ansiedade, angústia, tristeza e raiva, entre outros sentimentos impulsionados pelo isolamento. Há um impacto na saúde mental dos jovens a que é preciso estarmos atentos. Considero que é fundamental que todos encontrem formas singulares, e mesmo criativas, para ajustar suas necessidades a um cenário que requer cuidado e que ainda é pleno de incertezas.

Isso tem gerado mais depressão e ansiedade?

Lucas Bloc - Há um consenso nas publicações científicas de que esse período de pandemia que vivemos tem afetado a saúde mental das pessoas, sobretudo, por se tratar de uma situação que gera sofrimento e que contribui, por exemplo, para quadros de depressão e de ansiedade. Considero que vivemos um momento de maior vulnerabilidade e que isso tem impulsionado quadros de adoecimento. É preciso que, de um lado, tenhamos cuidado para não patologizar o sofrimento e achar que toda tristeza e ansiedade implica, necessariamente, em depressão ou em algum transtorno de ansiedade. Por outro lado, vivemos um momento em que o cuidado e a atenção à saúde mental se mostram ainda mais necessários, inclusive como forma de prevenir possíveis transtornos mentais.

Qual a importância de cuidar da saúde mental nesse momento?

Lucas Bloc - Primeiro, é preciso dizer que cuidar da saúde mental é importante sempre e que não deve ser considerado secundário ou algo que pode ser deixado de lado. Segundo, é importante cuidar da saúde mental neste momento porque é uma forma de prevenir situações de crise e de adoecimento mental; de tratar possíveis transtornos mentais que já estavam presentes e/ou se manifestaram a partir da pandemia; de propiciar um espaço de cuidado de si mesmo de acordo com a necessidade de cada um; e, sobretudo, de encontrar formas as mais saudáveis possíveis para enfrentar todas as transformações com que estamos nos deparando.

Que iniciativas a Universidade tem realizado para auxiliar os jovens?

Lucas Bloc - A saúde mental sempre foi uma preocupação da Unifor, desenvolvendo ações que envolvem desde pesquisas até intervenções com os alunos. Com a pandemia, esta preocupação se intensificou ainda mais, exigindo ações específicas. Entre as ações permanentes, destaco o apoio do PAP (Programa de Apoio Psicopedagógico), que acolhe os alunos e visa a promover a saúde mental na Universidade, e o PAE (Programa de Apoio ao Estudante), que contempla competências direcionadas para à aprendizagem, à comunicação, à cidadania, à cooperação e à criatividade. Como ação a partir da pandemia, destaco o Edital da Diretoria de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (DPDI) da Universidade de Fortaleza, uma instituição da Fundação Edson Queiroz que vem financiando projetos voltados ao enfrentamento da Covid-19 e de suas consequências. Entre os projetos contemplados, está o Projeto Saúde Mental na Universidade: Intervenções Psicológicas com Universitários diante dos Impactos da Covid-19, desenvolvido pelo APHETO - Laboratório de Psicopatologia e Clínica Humanista-Fenomenológica, coordenado pela professora doutora Virgínia Moreira, e que faz parte do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Unifor. Composto por três eixos, este projeto, atualmente, investiga os impactos da Covid na saúde mental dos nossos estudantes de graduação e de pós-graduação por meio de formulário, que convidamos todos os alunos a preencher. O projeto vem realizando, desde agosto, grupos de escuta psicológica virtual voltados aos alunos de graduação e pós-graduação que têm como objetivo promover um espaço de acolhimento e de escuta para nossos alunos diante dos impactos deste longo período de pandemia. Trata-se de um espaço de troca para ouvir e ser ouvido diante das dificuldades que temos vivido. Estes grupos são facilitados por psicólogos e se apresenta como uma ação de cuidado da saúde mental promovido pela Universidade. Caso algum aluno tenha interesse, pode se pré-inscrever por meio de link

Qual o papel dos amigos e da família nesse período?

Lucas Bloc - Os amigos e a família, assim como as relações sociais mais amplas, são fundamentais para todas as pessoas. Essas relações implicam em vínculos e afetos que atravessam as suas vidas e também configuram uma possibilidade de suporte e de cuidado. Com a pandemia e o isolamento social, fomos obrigados a manter um distanciamento, no mínimo, físico, mas, sem dúvida, também afetivo, psicológico e social. Considero que, nesse período, a manutenção desses contatos, seja por meio virtual, seja de modo presencial seguro, é fundamental como via de cuidado da saúde mental e como forma de manter os laços interpessoais de cada pessoa. Manter e fortalecer tais vínculos é também uma maneira de cuidar da própria saúde mental e dos demais.

Que formas o jovem pode encontrar para lidar com as dificuldades da pandemia?

Lucas Bloc - Considero que situações de crise como a que vivemos são também oportunidades. Não há uma receita ou formato garantido, mas, diante da necessidade de reorganização pela qual temos passado, considero que novos hobbies, práticas diferentes e a experimentação de atitudes e atividades inusitadas ou novas formas de realizar o habitual podem contribuir para lidar mais tranquilamente com as dificuldades que temos enfrentado. Cabe a cada um buscar a sua maneira de viver este momento, estando aberto a novas oportunidades e cuidando da sua saúde mental e daqueles com quem convive.

Mais informações 

Projeto Saúde Mental na Universidade: Intervenções Psicológicas com Universitários diante dos Impactos da Covid-19. Para se inscrever, clique AQUI

Grupo de Escuta Clínica Virtual. Para se inscrever, clique AQUI.