qui, 23 abril 2020 11:06
Uma pandemia de conteúdo
Membros da Universidade de Fortaleza discutem sobre a produção e o consumo de materiais culturais e informativos durante o atual período de quarentena.
O mundo está em quarentena. Como prevenção ao contágio do novo coronavírus, a recomendação mais repetida é “fique em casa”. Para alguns, isso tem se mostrado quase um sinônimo para “conecte-se”; a internet se mostrou uma grande aliada para a comunhão entre pessoas, ajudando no contato com parentes, nos estudos, na diminuição das horas de tédio e, principalmente, no compartilhamento de conteúdo durante a quarentena. O universo online expandiu como nunca antes, e as pessoas estão consumindo conteúdo de forma constante - o que aumenta sua produção, também.
“O distanciamento social forçou diversos profissionais de comunicação a mergulharem de forma mais intensa no universo online”, ressalta Talita Guimarães, docente do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade de Fortaleza. “[...] Acredito que a questão-chave é ver as pessoas enquanto pessoas e não somente enquanto consumidoras. Para isto, a transformação [de conteúdo] precisa ser na estrutura e não somente no discurso que pretende cativar o público-alvo. [...] Já colecionamos exemplos que nos mostram que dá para estabelecer uma conexão com sentido e memorável”, esclarece ainda a professora, revelando que parte do sucesso dos conteúdos produzidos durante o período de distanciamento social é proveniente do sentimento de humanização que eles refletem.
Diversos são os campos onde a procura por conteúdo tem aumentado. No da ciência, um exemplo relevante é a popularidade do biólogo Atila Iamarino. Doutor em virologia, o pesquisador tem conquistado notoriedade a partir das transmissões ao vivo que vem realizando em seu canal no YouTube e de estudos que apresenta via Twitter. No conteúdo, que é compartilhado com frequência por seus novos seguidores, Atila apresenta análises pertinentes sobre o avanço do novo coronavírus, ajudando muitos indivíduos a compreender a atual situação de pandemia.
“Comecei a acompanhar o Atila por meio de podcasts que ele participava sobre biologia e ciência na cultura nerd. Depois, descobri que ele tinha pós-doutorado e uma vasta carreira em pesquisas científicas. Há uns dois meses, ele começou a falar sobre o novo coronavírus, trazendo e discutindo informações muito consistentes. Para mim, ele tem sido o principal canal de informação sobre a COVID-19”, declara Lucas Mendes, que atualmente cursa o semestre final de Arquitetura e Urbanismo.
No meio musical, diversos artistas têm se mobilizado para arrecadar fundos e entreter fãs. Em uma frequência diária, celebridades da música brasileira ganham destaque entre as notícias e “viralizam” com suas performances online. Em escala global, é relevante destacar o festival virtual “One World: Together At Home”, que reuniu uma extensa lista de cantores, atores, líderes (políticos e religiosos) e outras personalidades do mundo.
Produzido pela ONG Global Citizen e pela Organização Mundial da Saúde, o evento musical, que foi transmitido em diferentes plataformas no dia 18 de abril e permanece disponível para visualização, foi assistido por mais de 20 milhões de pessoas, arrecadando US$ 127,9 milhões para organizações e trabalhadores ligados à luta contra o COVID-19.
Alguns músicos foram além de realizar apenas performances, criando conteúdo em formato diferenciado para a quarentena. É o caso da celebridade estadunidense Miley Cyrus, que criou o programa de entrevistas “Bright Minded”. Transmitido de segunda à sexta-feira em seu Instagram, a atração discute temas como saúde mental, alimentação, causas sociais, bem-estar e arte. De forma semelhante à Miley, a escritora e influenciadora digital brasileira Camila Coutinho tem organizado lives temáticas em que conversa sobre informação, criação e empreendedorismo. Entre os convidados, Camila já recebeu a jornalista Gabriela Prioli, o advogado Ronaldo Lemos e a cantora Anitta.
No Ceará, a iniciativa “#LuaOnDemand”, criada por Lua Latorre, egressa do curso de Jornalismo da Unifor, visa contribuir para o compartilhamento de conhecimentos em arte, cultura, moda e comunicação. “Comecei a contactar pessoas que eu já conhecia e admirava nas redes sociais para ver se tinham interesse de entrar no projeto e fazer lives comigo”, declara a jornalista, que realiza as transmissões por meio de seu perfil no Instagram. De acordo com ela, o conteúdo é construído a partir do questionamento: “essa live vai ajudar alguém ou trazer algum conhecimento para essa pessoa?”; dessa forma, é possível perceber a relevância do que se discute.
Quarentena com Humor
Para amenizar a angústia que surge como consequência da pandemia, uma área que vem conquistando as redes é a do humor. Atores como Marcelo Adnet e Jefferson Schroeder têm se utilizado de esquetes de comédia para ressoar o novo cotidiano do público: o primeiro é criador do “Sinta-se em casa”, programa disponibilizado gratuitamente em uma rede de streaming, e o segundo utiliza máscaras digitais e filtros para dar vida a diferentes personagens em suas redes sociais. Gravações inéditas também vêm sendo divulgadas pelo canal no YouTube da companhia de comédia “Os Melhores do Mundo”, que comemora 25 anos em 2020.
Para Sabrina Passos, aluna do oitavo semestre de Psicologia, discutir sobre o que está acontecendo de uma maneira mais bem-humorada tem sido essencial: “Comecei a acompanhar esses conteúdos de humor em uma semana de muita ansiedade. Acho que é uma das melhores maneiras de termos um pouco mais de esperança nesse momento. Alguns programas de comédia falam de forma divertida sobre o que está acontecendo, e você acaba se identificando. Isso torna a situação um pouco mais leve e fácil de lidar. Admiro muito os artistas que, apesar de tudo, estão produzindo e criando conteúdo para pessoas como a gente, e tentando ajudar da melhor forma que podem”, declara, em tom agradecido, a estudante.