O segredo encantador das palavras

Não havia brinquedo com maior poder de encantamento. Por isso mesmo, a mãe, Clélia Prata, exímia alfabetizadora de crianças e jovens, jamais falhou ao presentear: sem dúvida, eram os livros que mais faziam brilhar os olhos da filha caçula às voltas com as primeiras letras escolares e o recém-descoberto prazer de escrever, revelado a posteriori sobretudo através das páginas dos diários a quem confiaria seus mais íntimos segredos infanto-juvenis. Lúdica e confessional, a relação com as palavras começaria ali, mas somente na maturidade é que elas viriam a dar sentido a toda uma existência.

Aos 64 anos, Celma Prata não esconde o orgulho de ter se dedicado à educação por décadas a fio desde que, bem jovem, se formou em pedagogia, sob clara influência materna. Mas foi aos 51, quando tomou coragem para encarar uma segunda graduação, que começou a criar condições concretas para a realização de um sonho recôndito: escrever um romance. Assim foi que, em 2007, ousou ingressar como graduada no curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza, instituição vinculada à Fundação Edson Queiroz. Detalhe: reinvestiu na formação acadêmica ao mesmo tempo em que a filha Camila, à época com 21 anos, desistia do curso de Direito para também optar pela carreira de jornalista na mesma Unifor, o que fez com que as duas se tornassem colegas de turma, entrando e saindo juntas da universidade com o canudo na mão, em 2010.

O inusitado em família já poderia render um romance, mas não foi daí e nem de imediato que Celma fez valer o projeto de migrar das narrativas jornalísticas factuais para o universo da literatura e da ficção. O prólogo da trajetória de vida de uma pedagoga que se tornou jornalista e escritora tem como ponto de partida uma “viagem sabática”.  “Em 1997, eu estava licenciada da Secretaria de Educação do Estado e fui viver uma aventura com a minha família, a rigor marido e filhos. Vivemos um ano em Nova Iorque e inclusive fiz um curso de extensão em Marketing na New York University. Essa experiência abriu minha cabeça, porque conheci pessoas do mundo inteiro e outras visões de mundo. Quando voltei, fui trabalhar na área de marketing e, anos depois, me tornei revisora de um jornal impresso. Isso me trouxe de volta o gosto pela escrita, que sempre tive. E ao ingressar na Unifor, numa fase madura, a veia questionadora e contestadora, que é própria do Jornalismo - e sempre esteve em mim -, voltou a pulsar fortemente”, assegura.

Foi no ambiente de sala de aula que a jornalista em formação fez da escuta crítica e sensível aliada nas relações familiares e na descoberta de uma nova profissão. “Aproveitei muito os anos de graduação para abrir ainda mais a minha cabeça, oxigenando as ideias. E tive a alegria de terminar a graduação junto com minha filha. Ou seja, havia ali uma afinidade natural entre nós, já que ela não só é minha filha, mas minha grande amiga. Camila foi a ponte para eu me relacionar melhor com os jovens colegas de turma e eu a ponte para ela no relacionamento com os professores, que estavam mais ou menos na minha faixa etária. Considero uma sorte a gente ter cumprido juntas esse período tão enriquecedor em nossas vidas. Isso nos aproximou ainda mais e o intercâmbio de experiências entre gerações foi um ganho para os dois lados. Não era mãe e filha em sala de aula, mas duas estudantes compartilhando oficinas e laboratórios, fazendo trabalhos em equipe e as primeiras reportagens juntas. A prova disso é que muitos professores e colegas só descobriram no final da graduação nosso parentesco, entre surpresos e contentes”, ri-se Celma.

A mãe também foi motivo de orgulho para a filha quando, ao final do curso de Jornalismo, conquistou, por mérito, uma bolsa de pós-graduação, prêmio conferido anualmente a quem alcança a maior média em cada Centro de Ciências da Unifor. “A bolsa Yolanda Queiroz, que, aliás, ainda não usufruí, foi uma das boas surpresas que tive. Fiquei muito gratificada, porque era eu e aqueles meninos, da idade da minha filha, concorrendo entre si. E quando jovem eu nunca havia sido aquela aluna nota 10. Estudava, passava por média, mas só! Não era o meu foco estudar para ser a primeira. Mas, na maturidade, sem cálculo algum, talvez para me redimir, acabei chegando ao topo. Concluí o curso em 2010 com total aproveitamento e a partir daí já me sentindo apta a publicar”, recorda.

O primeiro livro veio em 2012. Com crônicas narrando em retrospectiva todas as experiências vividas por ela e a família durante a temporada em que viveram em Nova Iorque. Dois anos depois, o sonho propriamente dito começou a tomar forma até que, em 2018, Celma publicou “O Segredo da Boneca Russa” (Editora Sete), romance em tom policial com quase 400 páginas. “É uma ficção baseada em fatos históricos. Foquei na época da ditadura militar brasileira e a narradora é uma historiadora francesa, filha de uma brasileira que se auto exilou em Paris. É que os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade sempre me encantaram. Então, fiz o contraponto com um dos períodos mais obscuros de nossa história, o que, aliás, me demandou muita pesquisa, viagens, entrevistas... Queria mesmo lançar luz sobre fatos aterrorizantes vividos recentemente no Brasil que, além de nos envergonhar, ainda têm muito o que revelar e dizer”, sublinha Celma.

Até o final de 2021, a jornalista-escritora espera finalizar um novo romance. Nesse meio tempo, pela mesma editora, Celma Prata lançou mais dois títulos: “Viver, simplesmente”, uma coletânea de textos para marcar seus 60 anos de idade, e “Confinados”, um livro de contos. “Ano passado, em meio à terrível pandemia da Covid-19, perdi a minha única irmã, médica, para a doença. Foi e ainda está sendo muito difícil. A única forma que encontrei de conviver com o luto e a tristeza foi escrevendo. Sou do grupo de risco, meu marido, com quem sou casada há 43 anos, mais ainda. Estamos isolados em casa e afastados até dos filhos. E minha perspectiva é me manter em home office por mais algum tempo. A literatura é uma das coisas que hoje preenche a minha vida. Considero como o ar que eu respiro e acho que escrever é uma forma de digerir as dores. Sinto que, mais do que nunca, escritores têm a missão de enviar mensagens de esperança, solidariedade e também de responsabilidade para com o mundo, de forma que possamos reconstruir uma ética do cuidado consigo e com o outro, fortalecendo o senso de coletividade e uma maior empatia”, sugere a matriarca da família Prata Bitar. 

Herança empreendedora

“Você gostaria de ter a roupa dos pássaros?”. Poética e singela, a pergunta é de autoria de uma criança de 7 anos que, em 1993, concluía a alfabetização. Cúmplice e principal estimuladora da imaginação da filha, a mãe não quis deixar passar em branco aquele primeiro encontro com as letras. E foi assim que Celma Prata propôs à caçula que suas frases fossem reunidas em uma publicação caseira, feita a mão. “Pintando o 7”, o livrinho cuja capa ainda ganhou uma ilustração do irmão mais velho, sobreviveu ao tempo e hoje faz Camila Prata Bitar recordar o quanto a leitura e a escrita sempre tornaram especiais e intensas suas relações familiares.

Aos 35 anos, ela já não duvida que ler e escrever é sina familiar. Formada em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza, Camila Bitar é editora-chefe do jornal AgroValor e comanda a Editora Sete, através da qual publica, entre outros autores, a própria mãe escritora que também foi sua colega de turma na faculdade. “Penso que descobrimos nossas vocações juntas e na mesma universidade. Eu estava cursando Direito na Unifor, mas já não me identificava com a área quando percebi que eu queria mesmo era ser jornalista, isso depois de vivenciar funções administrativas no jornal AgroValor. Minha mãe fazia as vezes de revisora do mesmo jornal e quando me viu decidida a mudar de carreira profissional se encorajou a fazer o mesmo. Assim, de educadora se tornou estudante novamente, cursando Jornalismo junto comigo aos 51 anos. Ali também nascia a base para ela se tornar a escritora que sempre quis ser. Como não se admirar diante de tanta sincronicidade? E como não me inspirar na tenacidade e coragem dessa mulher sempre aberta a desafios?”, pergunta-se a filha-coruja.

Para Camila, graduar-se em Jornalismo na Unifor foi algo transformador. Aprendeu a “ler” e a decifrar com mais atenção o mundo. “Saí do curso achando que todos deveriam cursar Jornalismo. Eu me encantei com a qualidade das aulas porque passei a entender o que está por trás dos acontecimentos e a me posicionar de forma crítica diante deles. Ver sempre os dois lados ou mais da história ou da notícia era um exercício próprio do jornalismo que fez com que a gente aprendesse a pensar fora da caixa. Eu entrava na sala de aula de um jeito e saía de outro. E minha mãe, mesmo numa fase madura, compartilhava do mesmo sentimento comigo. Assim é que aprendemos juntas o valor da dúvida e do questionamento, o que tornou nossa formação muito especial”, observa a jornalista que voltou à Unifor para se especializar em Marketing e hoje também responde pelo setor na fazenda Libanus, empresa familiar.
 
Família que trabalha unida permanece unida, mesmo quando as novas gerações tomam as rédeas dos próprios empreendimentos e migram para outras áreas de atuação profissional. Tem sido assim com os Prata Bitar. Aos 40 anos, Rodrigo Bitar vibra com a iniciativa e fibra da mãe que encarou uma segunda graduação com mais de 50 anos, mas admite que o gosto por empreender, para ele, sempre falou mais alto do que botar a mão no canudo, apesar de ter iniciado duas graduações na Unifor. Aos 21, ingressou no concorrido Curso de Direito, mas um ano depois já estava integralmente dedicado à empresa do pai, com quem sempre gostou de conversar sobre trabalho. “Meu pai é engenheiro civil e a lembrança mais marcante que tenho de criança era ele sempre chegando em casa feliz do trabalho. Aquilo de alguma forma me fez entender que trabalhar era bom e assim sempre alimentei o desejo de cedo começar a trabalhar”, rememora.


Assim foi feito. E não demorou para Rodrigo chegar inclusive à presidência da Associação dos Jovens Empresários, com apetite empresarial o bastante para atuar em diversos ramos de negócios sem perder o fôlego. Mas foi em viagens a trabalho e com os olhos brilhando diante das transformações em looping da economia global que sentiu falta do ambiente universitário. “De repente, senti que precisava me atualizar e sabia que as mentes brilhantes estavam na Academia. Foi quando decidi voltar à Unifor e pedi transferência para o curso de Publicidade. E dessa vez acertei. Foi incrível, embora nesse momento eu já estivesse com 35 anos e uma vida profissional super dinâmica que poderia me capturar novamente, como, de fato e de novo aconteceu: não consegui terminar o curso, mas foi durante o período em que estive na Unifor que mudei meu pensamento empresarial, saindo de lá totalmente focado em negócios on-line e já interessado em empreendedorismo de impacto social”, recorda.

Rodrigo chega a falar um “antes” e um “depois” de sua passagem pela Unifor, tamanha a mudança de paradigma na carreira profissional. “Passei a olhar para o coletivo e para projetos sociais que impactavam positivamente numa determinada região, movimentando toda uma cadeia produtiva. E acabei voltando para a Unifor em busca daquelas mentes brilhantes que eu sabia que estavam lá. Voltei como empresário interessado em incubação para desenvolvimento de um projeto que envolveria economia circular e inovação tecnológica, o sejatroqueiro.com, que, de fato, se tornou possível graças a essa parceria envolvendo pesquisadores de excelência e uso de laboratórios e tecnologias de ponta”, sublinha.
 
Fruto de um concurso de ideias lançado pela organização social Somos Um, com vistas a colaborar de forma inovadora com a retomada da economia informal no Estado diante da crise socioeconômica causada pela pandemia da Covid-19, o aplicativo troqueiro apostou no escambo digital para conectar pessoas a empresas interessadas na permuta de serviços ou produtos diversos, o que vem gerando lucro para quem troca e vende mas sem a necessidade de capital de giro. “Somos cinco sócios hoje envolvidos com o site e a plataforma do instagram, fazendo girar um sistema de economia circular e solidária que vem aquecendo os pequenos negócios e também gerando renda para os trabalhadores informais”, destaca Rodrigo.

Segundo ele, não é à toa que o Troqueiro começa a tomar forma pela periferia da cidade, em bairros como o Conjunto Palmeiras, de baixo IDH, mas com altíssima capacidade de empreendedorismo social e comércio informal. “Começamos pelo bairro que sedia o Banco Palmas e onde há inclusive uma moeda própria em circulação. A ideia de escambo e valorização do empreendedor local, respeitando a vocação do lugar, caiu, portanto, como uma luva e foi rapidamente assimilada e muito bem aceita como alternativa de negócio com lucro sem precisar desembolsar dinheiro”, comemora o empresário que ainda não desistiu de retomar a graduação em Publicidade, com sede de mais conhecimentos para gerar oportunidades e inovações no mercado, agora beneficiando quem mais precisa.

De sangue libanês

De Belém para a capital cearense. Foi o vestibular que possibilitou o ingresso do paraense Antônio José Bitar, 67, na primeira turma de Engenharia Civil da Universidade de Fortaleza. Mas a mesada garantida pelos pais era curta e com o tempo já não seria suficiente para pagar estadia, alimentação e ainda a faculdade particular. Foi quando o estudante universitário criou coragem para pleitear uma bolsa junto a ninguém menos do que o fundador da instituição, o chanceler Edson Queiroz. “Antigamente, era complicado arrumar emprego de um expediente. E aí não tinha outro jeito senão tentar me livrar dos gastos com a universidade. Tinha que falar com o dono, e quando disse isso aos colegas foi aquela chacota: ‘ah você não chega nem perto dele’. Mas fui ao escritório no Centro da cidade e bati à porta pelo menos umas 30 vezes. Dez para insistir diretamente com ele e 20 depois que aceitou meu pedido, mas não dava encaminhamento. Com tanta insistência de minha parte, lembro que fizemos até uma certa amizade. E um belo dia o chanceler enfim me chamou: 'Taí Bitar, a sua bolsa'”, recorda, rindo, o patriarca da família Prata Bitar.

O então mais novo bolsista da primeira turma do Curso de Engenharia Civil da Unifor estudou sem precisar pagar por mais ou menos dois anos. Até que, em sociedade com um colega, Bitar abriu sua primeira construtora, que rapidamente se tornou rentável, a ponto de deixar a faculdade em segundo plano e voltar-se quase que exclusivamente ao mercado. Mas veio a advertência: “Lembro que o coordenador do Centro era o professor Costinha [Lourenço Humberto Portela Reinaldo] e ele percebeu que minha empolgação com a construtora era inversamente proporcional ao tempo dedicado aos estudos. Então me chamou para cobrar as disciplinas em que havia sido reprovado. E vaticinou: ou eu cumpria e recuperava cada uma delas ou iria ser jubilado... Foi quando pausei um pouco o trabalho e decidi focar na faculdade de fato”, recorda, hoje dando razão e agradecendo ao mestre por não ter perdido a chance de se formar numa universidade de excelência.

O reconhecimento diante da qualidade do ensino e a gratidão por estar na Unifor também fizeram o engenheiro muito cedo demonstrar os valores éticos que permearam toda a sua formação universitária. “No terceiro ano da faculdade, quando a construtora já ia muito bem e estava dando um lucro significativo, voltei ao escritório de Edson Queiroz e disse: já posso pagar a minha faculdade e, portanto, vim lhe devolver a bolsa. O senhor pode disponibilizar a outra pessoa que esteja precisando. Lembro que ele se admirou com a minha atitude e gostou muito disso. E eu também fiquei feliz em poder agradecer e dizer do meu crescimento profissional”, regozija-se.

Para ele, a Unifor também lhe abriu a mente, tornando possível o desenvolvimento de competências múltiplas para a diversificação dos negócios. Tanto assim que, além de construtora e empresa no segmento de seguros, Bitar e família empreendem hoje também no ramo do agronegócio. “É meu foco maior: a Fazenda Libanus, a 80 km de Fortaleza, propriedade onde produzimos o ovo caipira Libanus – aliás, somos líder no mercado do Ceará – e a cachaça artesanal Cedro do Líbano, que inclusive já foi por duas vezes premiada nacionalmente, o que muito me orgulha, já que ela está entre as 15 melhores do Brasil. Também temos criação de carneiro e estamos iniciando a criação de uma raça bovina chamada Sindi. E o mais importante: investimos e apostamos no agronegócio de maneira sustentável e sem uso de agrotóxicos ou substâncias nocivas à saúde. Esses valores vêm, claro, da educação que tivemos e das nossas origens familiares, que prezamos muito”, encerra o engenheiro e fazendeiro de sangue árabe, herdeiro da mesma tenacidade do avô libanês que, no século XIX, veio viver e trabalhar no Brasil.