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Seg, 2 Agosto 2021 10:20

Entrevista Nota 10: Katarina Brazil e a luta pelos Direitos das Mulheres

Advogada cearense é embaixadora do movimento “200 mil por elas”, que busca combater a violência contra a mulher 


Katarina Brazil é advogada e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Foto: Divulgação)
Katarina Brazil é advogada e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Foto: Divulgação)

Das teorias feministas e estudos de gênero, veio o chamado. Para a advogada Katarina Brazil, exercer sua profissão com visão humanista é ação diária na busca pela garantia dos direitos das mulheres, atendendo às suas demandas com dedicação engajada na transformação social.  

Graduada em Direito e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, Katarina é embaixadora do movimento “200 mil por elas” no Ceará, campanha que atua contra a violência doméstica. Como especialista em Direitos das Mulheres, sua missão é clara: nem uma a menos. Por meio da informação, ela ajuda vítimas a se apropriarem da sua dor para subverter a lógica de dominação exercida pelos agressores.

Com exclusividade ao Entrevista Nota 10, a advogada destaca a importância de denunciar a violência contra a mulher e ressalta ainda a necessidade de orçamento e políticas públicas para uma mudança no sistema de justiça como um todo. Confira na íntegra: 

Entrevista Nota 10 - Katarina, para iniciarmos, gostaria que contasse um pouco sobre a sua história com o Direito. Quais foram as motivações para escolher a carreira? 

Katarina Brazil - Meu interesse pelo Direito começou porque, desde muito jovem, eu me via muito próxima das pessoas mais simples e comuns da cidade onde vivi minha infância inteira. Essas pessoas passavam por problemas e conflitos diversos, então acredito que essa proximidade tenha me levado até o Direito. Eu me interrogava bastante sobre minha realidade, e questões que envolvem o ser humano sempre me seduziram. O sentimento de buscar justiça e ao mesmo tempo enxergar na política um lugar propício para fomentar essas questões rumo a ação também me levaram a querer cursar Direito. Eu percebi que se me tornasse advogada eu estaria me conectando com toda essa miríade de questões e problemas de uma forma ampla.

Entrevista Nota 10 - E a atuação na área dos Direitos das Mulheres? Como surgiu o interesse? 

Katarina Brazil - Foi um encontro comigo mesma. Precisei olhar para dentro de mim e fazer um longo percurso até descobrir a minha área de atuação, o que muitos chamam de nicho. Quando me deparei com a riqueza dos estudos de gênero e da própria teoria feminista senti que havia um chamado. As teorias feministas se afinam muito bem com toda a construção histórica dos Direitos Humanos, o que também potencializou a escolha. Mas, sinceramente acho que os Direitos das mulheres é que me escolheu, porque atuar nessa área exige além de habilidade técnica, atuar com perspectiva de gênero para que as mulheres não tenham que passar por um tratamento revitimizante.

Entrevista Nota 10 - Você é embaixadora do movimento “200 mil por elas”. Do que trata a iniciativa? 

Katarina Brazil - O movimento 200 mil por elas foi idealizado pela Cristina Castro, presidente da ONG Eu sou a Gloria em parceria com o Instituto Maria da Penha. Essa é uma campanha que acima de tudo conclama as pessoas a seguirem quem combate a violência contra a mulher e não quem a pratica. Ela é, portanto, muito simbólica, porque se trata de uma reação ao fato desse agressor - DJ Ivis - ter atingido a marca de 200 mil seguidores, tão logo sua companheira publica os vídeos com um conjunto de agressões. Veja que a reflexão que a campanha traz é a seguinte: é muito importante que a gente ocupe a internet. Afinal, ela foi criada com a intenção de aumentar as possibilidades de conexão. Mas o que se pretende com o 200 mil por elas é demonstrar que a internet também pode acabar servindo de palco para aqueles agressores ou as pessoas omissas que justificam a violência contra mulheres e meninas.

Entrevista Nota 10 - Dados do Fórum Brasileiro de Segurança apontam que 694.131 mulheres denunciaram a violência doméstica no ano de 2020, 16% a mais em relação ao ano de 2019. Qual significado podemos atribuir a esse dado? 

Katarina Brazil - A primeira coisa que esse dado nos diz é que a violência contra a mulher só aumenta. Temos, de fato, uma pandemia dentro da pandemia. Estudos apontam que o confinamento com os agressores desencadeou um aumento no número de denúncias, uma vez que fez explodir a violência dentro do lar em uma sociedade hierarquizada pelo gênero. Esses dados expõem mulheres na mira dos seus agressores, enfrentando todos os tipos de abusos e violências em vários campos onde o homem domina. A violência contra a mulher vem desse lugar de domínio, de controle do macho sobre a fêmea, como diria Beauvoir.
 
Entrevista Nota 10 - Apesar do aumento de denúncias, a impunidade dos agressores ainda é bastante vista no Brasil. Isso está ligado ao machismo estrutural presente na sociedade? 

Katarina Brazil - Sim. Isso está ligado ao machismo estrutural e também ao machismo institucional. As mulheres que são violentadas, quando criam condições para fazer uma denúncia acabam sendo revitimizadas no campo institucional (Polícia e Delegacias ou mesmo pelos operadores de justiça). O que de fato acontece é que falta capacitação e habilidade técnica para lidar com os casos de violência contra a mulher, porque o sistema falha muito em compreender o funcionamento do ciclo da violência e o seu caráter cíclico. É notório o descaso de muitas autoridades com o problema da violência contra a mulher.

Entrevista Nota 10 - Na sua avaliação, o que é necessário para que essas agressões não levem a tantos casos de feminicídio, como os que vemos diariamente retratados na mídia e também àqueles que sequer ganham visibilidade? 

Katarina Brazil - É necessário orçamento e políticas públicas para que se opere a mudança no sistema de justiça como um todo. A polícia precisa de capacitação, assim como os demais operadores de justiça. As mulheres precisam sentir que o sistema de justiça é capaz de protegê-las. Há muitos sinais de que uma relação pode acabar em feminicídio e no primeiro sinal elas devem buscar ajuda. Informação salva. Mulheres informadas e com rede de apoio psicológico implica sim em mulheres mais protegidas e confiantes.

Entrevista Nota 10 - Nas redes sociais, quando surge algum caso de violência contra a mulher, muitas pessoas trazem posições de questionamento à conduta das vítimas, argumentando, por exemplo, que é fácil sair da relação. Como e por quê essa saída de um relacionamento tóxico é mais complexa do que podemos imaginar? 

Katarina Brazil - Essas condutas de questionar a força e o papel das mulheres que sofrem violência diz mais sobre nós enquanto sociedade do que propriamente sobre essa mulher. Então quem pensa, age e reverbera que é fácil sair da relação não conhece o ciclo da violência, só conhece as armas do opressor, que é o machismo, o discurso repleto de estereótipos. Relacionamentos são complexos, porque envolvem muitas paixões, sentimentos e narrativas que se chocam. Por isso não há um manual para sair de relacionamentos abusivos. É a experiência humana de cada mulher diante de suas questões existenciais que precisam ser examinadas, trabalhadas e acolhidas. Essa saída é bem mais complexa do que se imagina, quando há dependência emocional, financeira.
 
Entrevista Nota 10 - Katarina, o primeiro passo para mudar essa realidade é a denúncia? Como fazê-la? 

Katarina Brazil - Sim. Denunciar significa se apropriar da sua dor, significa subverter a relação de dominação. Eu, sinceramente, acredito que quando a mulher denuncia, ela se livra do peso da culpa (sentimento ligado a dependência do opressor, o chamado agressor/ companheiro). Quando a mulher denuncia ela subverte a relação de poder, pois se enxerga como sujeito e não mais como um objeto. Para denunciar a mulher deve ligar 180, mas em caso de risco iminente/perigo de vida ou em caso de descumprimento de medidas protetivas, ligue 190.

Entrevista Nota 10 - Para finalizar, que mensagem deixaria para as jovens que desejam vivenciar uma carreira aliada à defesa das mulheres? Novas vozes são necessárias para uma luta que visa a transformação social? 

Katarina Brazil - A mensagem que deixo é que lutem para se tornarem quem são. Leiam literatura feminista, leiam os clássicos, busquem sempre descortinar o novo, porque como diz a canção de Belchior: “o novo sempre vem”. Novas vozes serão necessárias, pois teremos lutas para a vida inteira. Precisamos seguir juntas rumo à transformação social. Estamos construindo um novo horizonte a partir do feminismo que é, sem dúvida, a lente que nos dará um norte crítico e libertador.