qui, 2 julho 2020 16:24
Donas de si: conheça histórias de mulheres empreendedoras
Atuando profissionalmente em nichos diversos, egressas da Unifor são protagonistas dos seus próprios negócios
Irrefreável, o empreendedorismo feminino avança alvissareiro, sem mais pedir licença. Segundo o levantamento da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) realizado junto a 49 nações, o Brasil aparece como o sétimo país com o maior número de mulheres empreendedoras. Entre dados colhidos em 2018, claros sinais de empoderamento: são mais de 24 milhões de brasileiras tocando seus negócios, gerando empregos e movimentando a economia. Atuando profissionalmente em nichos diversos e assumindo posições de destaque em carreiras historicamente lideradas por homens, egressas da Universidade de Fortaleza (Unifor), instituição da Fundação Edson Queiroz, contam sobre como se tornaram as protagonistas dos seus próprios empreendimentos.
O empreendedorismo veste saias
Foco no próprio potencial. Logo que concluiu o curso de Farmácia na Universidade de Fortaleza (Unifor), Mayara Maia, hoje doutora em Biotecnologia com especialização em Farmácia Estética, já havia entendido que empreender nada mais é do que transformar ideias em realidade, tendo em mente que o seu grande negócio pode ser você mesma. Por isso, sempre investiu na formação contínua e multidisciplinar, ao mesmo tempo em que iniciou a prática profissional ao lado do pai ginecologista, assumindo, em paralelo, uma segunda especialização em Onco-hematologia e Citologia Esfoliativa, novamente pela Unifor.
No doutorado, protagonismo à vista: sua pesquisa visava patentear um novo procedimento para diagnóstico do câncer de mama. E assim é que ela se tornou uma das inventoras da patente do processo de manipulação asséptica que facilita a identificação do linfonodo sentinela na mama humana, a partir de um novo marcador autólogo derivado do sangue. “Com o início das pesquisas, a cirurgia da mama tornou-se menos mutilante e com menor taxa morbi-mortalidade. Isso porque a busca por marcadores mais seguros e com menos efeitos adversos se mostrou eficaz, já que alguns contrastes usados apresentavam índices de reações alérgicas consideráveis. O novo marcador pôde evitar os efeitos adversos observados, gerando mais qualidade de vida às mulheres, um público para o qual sempre voltei minha vida profissional, pela natural identidade, claro, mas também por saber das adversidades que passamos para conseguir nos manter fortes, saudáveis e proativas”, observa Mayara.
Aos 35 anos, a farmacêutica esteta que já trabalhou para empresas diversas do ramo vem gostando de ser dona de si: com o pai e a irmã, ela comanda a Vacinart, clínica de vacinação que está prestes a abrir uma filial; sozinha, está à frente do próprio consultório e se orgulha de ter alcançado a formação necessária para trabalhar com procedimentos minimamente invasivos. “Antes de 2013, só os médicos eram autorizados a usar essas técnicas minimamente invasivas para, por exemplo, aplicação de botox, harmonização facial, retirada de gordura localizada. E foi preciso quebrar toda uma cultura já introjetada para que os farmacêuticos estetas pudessem atuar e ganhar a confiança da clientela. Mas desde o início eu optei por correr riscos e inovar nessa área de pesquisa e desenvolvimento de cosméticos medicinais, por isso me especializei também em cosmetologia. Portanto, a meta é não parar de estudar e continuar a empreender. Quero montar uma clínica e também cursos livres com o meu nome, patenteando meus próprios procedimentos”, vislumbra Mayara.
A docência também tem seu lugar de destaque quando a ordem é se desafiar e sair da própria zona de conforto. Como professora do doutorado da paulista Fapuga, mesma faculdade onde se especializou em Farmácia Estética, Mayara dedica os finais de semana às viagens para diversos estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que abraçaram a formação na área. “Como pesquisadora e também presidente da Comissão de Farmácia Estética do Conselho de Farmácia do Estado do Ceará, sou uma docente que incentiva muito as alunas a empreenderem. E minha experiência no mercado só enriquece essa troca. Em Fortaleza, também dou aulas no IAMP – Instituto Antônio Mesquita Parente. Então, costumo dizer que não coloquei as frutas numa cesta só. Daí os bons resultados. São mais de 130 áreas de atuação disponíveis em Farmácia, portanto não falta oportunidade para empreender. Mas é preciso determinação para plantar e colher depois”, assegura.
Uma dose extra de coragem e autoconfiança também se fez necessária quando a maternidade lhe atravessou o caminho. “Só consegui amamentar durante um ano e um mês. Viajava muito a trabalho e foi ficando cada vez mais difícil conciliar. Me cobrava ser uma mãe mais presente, ao mesmo tempo em que queria voltar o foco para o trabalho. Bateu a crise, porque também temos que ser super esposa, filha e profissional, além de mãe, e a sociedade cobra junto. Tive que aprender com o sofrimento mesmo e passei a realinhar as expectativas. Assim fui conciliando os papéis. Mas ser mulher e empreendedora é algo surreal, exaustivo mesmo. Por isso, valorizar e celebrar cada conquista é combustível para seguir avançando”, defende.
Quando o sol é o limite
Flagrante minoria. Ao final de 2017, quando Lya Serpa concluiu a graduação em Engenharia Elétrica na Universidade de Fortaleza (Unifor), um detalhe não lhe passaria despercebido: a turma de formandos era eminentemente masculina. “Foi assim ao longo de toda a faculdade: no começo, cheguei a ser a única mulher da sala e, mais para o final, foram aparecendo outras, mas sempre poucas. No entanto, entre elas foi que conheci Daiane Carneiro, a colega de turma que já era professora no Tecnólogo e passou a cursar mestrado em Energia Renovável, me despertando o interesse por essa área. Tanto que o meu TCC já abordou o tema e ela se tornou uma espécie de co-orientadora. Depois de formada, foi junto a ela também que acabei vislumbrando caminhos para aprofundar os conhecimentos técnicos na área e assim me encorajei a abrir minha própria empresa. Daiane já tinha o seu próprio negócio, em sociedade com o marido, mas, sem nem pensar em disputa de mercado, me estimulou muito a apostar nesse voo solo. Penso que as mulheres, quando empreendem, são as que mais se dedicam a multiplicar e inspirar. E, hoje, além de ser grata, também quero ser inspiração”, sustenta.
Aos 27 anos, Lya é a dona da ELLO Engenharia, empresa dedicada a projetos e instalação de placas de energia solar em espaços domésticos ou comerciais. O escritório ela abriu com a ajuda dos pais, mas foi buscando conhecimento especializado na área de gestão que só então passou a se sentir 100% apta a empreender. A área escolhida continha outro desafio: estar à frente de uma equipe eminentemente masculina de eletricistas e montadores. “Conheci parte dos parceiros com quem trabalho no mestrado que também fui cursar em Energia Renovável e Solar. Então, com eles não tive e não tenho problemas de relacionamento algum. Ao contrário, todos me veem como expert no assunto e me respeitam. Mas, no início, captar clientela, sendo mulher e jovem, isso foi difícil sim. Acho que não botavam fé que aquela menina seria capaz de tocar uma obra no alto de seus telhados, instalando aquelas placas imensas”, diverte-se Lya.
Entre olhares desconfiados, cabia a ela demonstrar firmeza e poder de comando, tudo para ganhar a confiança da clientela em potencial. Mas a qualidade do serviço prestado por demanda foi falando por si só. E hoje o olhar de quem vê a moça comandando os homens que pegam no pesado, enquanto ela fiscaliza de perto cada etapa de execução das obras, é de admiração. “Meu portfólio já é significativo, mas acredito que ganho muitos clientes pela propaganda boca a boca mesmo, como também pela indicação de meus próprios colegas e parceiros eletricistas e montadores, que me indicam para clientes que os procuram interessados em investir em energia solar”, diverte-se Lya, a empreendedora que foi capaz de colocar até o namorado educador físico ao seu dispor sempre que precisa de uma “forcinha extra” no trabalho.
Pós-pandemia, ela vislumbra ainda maior lucratividade, mesmo em meio à fase atual de escassa nova clientela diante do isolamento social. “Teoricamente, a conta de luz vai aumentar, com tanta gente em casa ao mesmo tempo ao longo de 24 horas. Isso pode contribuir com o despertar das pessoas acerca das vantagens de um investimento em energia solar. Quando comecei a trabalhar na área, o primeiro projeto instalado foi na minha própria casa. Isso porque também há um propósito por trás dessa minha escolha profissional. Não é só pelo dinheiro, mas porque tenho cada vez mais consciência de que temos que cuidar da nossa casa original, a Terra, atentando para as agressões que ela sofre em nome de um progresso que na verdade se mostra predador, enquanto seus recursos naturais poderiam ser mais responsavelmente utilizados”, opina.
O poder da inventividade
A filha tem 15 dias de vida e chora com fome enquanto a engenheira Fabíola Caracas, egressa do curso de Engenharia Civil da Universidade de Fortaleza (Unifor), tenta amamentá-la e dar entrevista ao mesmo tempo, por telefone. “Estou sem babá por conta da pandemia e nunca pensei que a maternidade fosse tão difícil. A bebê quase não dorme e tem chorado muito. Meu marido me ajuda com ela, mas o problema é que ainda tenho que trabalhar em home office, não posso falhar com minha clientela. Porque é isso: para uma mulher empreendedora sua empresa também é como filho”, vai avisando.
Que se leve ao pé da letra. Aos 32 anos, Fabíola pode afirmar que teve dois “filhos” antes de ser mãe genuinamente: com a família, gerencia a área financeira e o marketing do hotel Vale das Nuvens, na Serra de Guaramiranga, terra-natal de seu pai; sozinha, está à frente da Magus, uma loja de sobremesas em Fortaleza que fez virar febre uma espécie de petit gateau reinventado e turbinado. Desde criança, sempre gostou de cozinhar e experimentar novas receitas junto com a avó, exímia doceira. No colégio, vendia os bolos que fazia. Para embarcar em ambos os negócios, viajou em busca de cursos especializados. Tudo para fazer do comum algo diferenciado.
Assim é que, primeiro a muitas mãos e depois por conta própria, fez brotar do chão um hotel ecologicamente correto, construído com plástico reciclado, telha de reflorestamento e energia 100% solar, como também tornou possível – e irresistível - a sobremesa inteiramente inventada por ela e que até hoje, garante, não existe igual em nenhum lugar do mundo. “Sempre quis empreender, mas não copiando o que já existia e sim criando algo novo. Nos dois empreendimentos em que me envolvi vejo diferenciais. No hotel, empreendemos sem desmatar, respeitando tanto o desenho quanto a vocação de uma área de preservação ambiental. No começo, foi difícil vencer o preconceito das pessoas quando dizíamos que o hotel era todo feito de plástico, mas insistimos em apostar na cultura sustentável e na consciência ecológica. E quando pensei em uma sobremesa que não existia foi difícil adaptar as técnicas, os insumos e os maquinários existentes para fazer algo novo. Errei muitas vezes até acertar a mão. Mas acredito que empreendedorismo é isso: inovação, ousadia e propósito, além de capacidade para aprender com os erros e ir persistindo até conseguir”, ensina Fabíola.
Xodó inconteste, o invento que Fabíola trouxe ao mundo após meses de gestação empresarial não só é a vedete da vitrine da Magus, como já vem sendo fornecido para restaurantes e tem fisgado uma clientela fiel até em fase de isolamento social, através de delivery. Sucesso de vendas que, para a dona do negócio, não se explica só pela composição da iguaria, mas pela forma como se apresenta e pode ser montada. “A ideia me veio porque gosto muito de petit gateau e me frustrava por não conseguir comer, em uma só colherada, tudo o que compõe o doce. Foi quando pensei que poderia colocar o bolo quente por toda a borda de um copinho redondo e assim ir inserindo os demais ingredientes. Funciona então como o Subway: tenho bordinhas de diferentes bolos - brownie, bolo de cenoura, cheesecake etc - e aí você escolhe a calda, o gelato e o mix e monta como quiser. A dificuldade foi mesmo experimentar várias formas até conseguir dar a consistência e fundir tudo no produto final. Mas valeu todo o meu esforço e agora é expandir”, comemora a inventora.
Empreendedora nata, a “mãe” da Magus não parou de embalar o “filho” nem diante do nascimento antecipado da filha propriamente dita. “Minha bebê nasceu dia 11 de junho, quando eu esperava que nascesse mais para o final do mês. E em 12 de junho era dia dos namorados. Ou seja, eu estava com a loja a mil, cheia de encomendas e tinha que administrar as entregas. Então, não teve outro jeito, tinha que trabalhar logo no dia seguinte ao nascimento dela, ainda me recuperando de uma cesariana. Mas acho que ser mulher e empreendedora faz você entender ainda mais e melhor que o trabalho não pode ficar em segundo plano quando há muito de você nele. O investimento ali não é só financeiro, mas emocional mesmo. Por isso levo tão a sério e vou tentando conciliar os papéis”, afirma a empresária que escolheu fazer engenharia civil justamente porque sabia que aquela formação era a que melhor lhe prepararia para empreender, seja em que área fosse.
A solidez empreendedora da amizade
A seis mãos, elas projetaram o próprio futuro. Andréa Verçosa, Karine Albuquerque e Liana Otoch comandam juntas a Trê Arquitetura, empreendimento que é fruto de uma amizade iniciada ainda na graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza (Unifor). “Cursamos disciplinas comuns e até fizemos um intercâmbio para Portugal na mesma época, mas em meio às atividades de extensão acabamos nos desencontrando e cada uma se formou em um período diferente da outra. Até que um dia nos reencontramos em um casamento e redescobrimos as afinidades. Uma semana depois nós é que estávamos casando profissionalmente e alugando uma sala para trabalharmos em sociedade. Isso foi há 12 anos e hoje coordenamos uma equipe de seis pessoas para dar conta de projetos residenciais, comerciais e de interiores em Fortaleza”, regozija-se a arquiteta Andréa Verçosa.
Para além das expertises de cada uma, o que mantém o trio unido e proativo, segundo Andréa, é justamente a empatia somada ao sentimento de sororidade. “Nós três somos casadas e temos filhos, então conhecemos de perto a rotina e as tarefas domésticas que acumulamos. Por isso mesmo, criamos uma dinâmica interna de produção diferenciada, onde cada uma assume uma função e cumpre demandas, com a vantagem de fazer livremente seu próprio horário. Assim, já houve época em que minhas sócias, Karine e Liana, não podiam vir ao escritório porque estavam prestes a ter bebê e eu tomei a frente dos projetos por dois meses. Sem cobrança alguma, porque elas fariam o mesmo. Isso torna o nosso ambiente de trabalho muito leve e acolhedor, além de produtivo, já que, em contrapartida, as respostas não deixam de chegar. Então, é uma feliz parceria: confiamos uma na outra para o planejamento e cumprimento de prazos e metas, mas também nos cuidamos mutuamente, o que acho que seria mais difícil acontecer caso a sociedade fosse entre homens”, opina Andréa.
Ao invés de competição, a palavra de ordem na Trê Arquitetura é colaboração. E há outros diferenciais na parceria eminentemente feminina: “Penso que a mulher empreendedora se preocupa com os detalhes e cuida melhor do relacionamento com o cliente. Isso porque, além da capacidade técnica e criatividade, temos feeling, sensibilidade. Nossa profissão requer essa habilidade de entender a psiquê do cliente e saber traduzir os seus desejos. Não é à toa que 99% da nossa clientela volta a nos contratar, em diferentes fases da vida. Além disso, perseverança, dedicação e capacidade para gerir pessoas é o que não nos falta. Quem é mãe, esposa e empreendedora ao mesmo tempo topa qualquer desafio e vai dar o seu melhor para fazer jus às expectativas de quem depositou confiança nela”, aferra Andréa.
Há 12 anos no mercado, a Trê Arquitetura vê crescer o portfólio e a quantidade de clientes fiéis mesmo em meio à pandemia. “Acho que o necessário isolamento social despertou nas pessoas ainda mais o desejo de melhorar o seu ambiente doméstico ou de trabalho. Como vamos ficar confinados, que seja em espaços aconchegantes. Mas estamos na fase de fechar projetos e projetar - e não de obras propriamente ditas, porque ainda é tempo de reclusão com responsabilidade. Trabalhamos home office e assim vamos conseguindo manter a produtividade, apesar que nada substitui o ambiente de trabalho presencial, aquele que te dá ânimo e gás porque é coletivo. Além do mais, em casa temos as crianças e aí fica difícil sermos empreendedoras e mães 24 horas e ao mesmo tempo”, sublinha.