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Seg, 7 Agosto 2023 18:00

Entrevista Nota 10: Carlos Barbosa e a função do capital humano na economia

Doutor em Administração e mestre em Engenharia Econômica, ele fala sobre a relação entre capital humano e desenvolvimento econômico de um país, além de explicar o que é necessário para ser um bom economista


Além de docente na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, o economista Carlos Barbosa ministra aulas no Mestrado Profissional em Administração da Unifor (Foto: Arquivo pessoal)
Além de docente na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, o economista Carlos Barbosa ministra aulas no Mestrado Profissional em Administração da Unifor (Foto: Arquivo pessoal)

Quando falamos sobre desenvolvimento econômico, é muito comum pensarmos em números, taxas, moedas, juros e uma infinidade de outros termos técnicos que podem nos remeter a um mundo de cálculos. No entanto, uma parte fundamental da economia consiste no capital humano. Segundo o professor Dr. Francisco Carlos Barbosa dos Santos, esse fator é o que mede a produtividade marginal do capital.

“A economia é orgânica, composta por pessoas. Então, em última instância, para ter máquinas, equipamentos, tecnologia e ciência, nós precisamos de pessoas”, explica o economista especialista em Finanças. Para ele, a produtividade do capital humano no Brasil — em que 70% do PIB é formado por serviços, ramo no qual o principal insumo é a mão de obra — nunca se tornou tão fundamental como é agora.

Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Engenharia Econômica pela Universidade Pierre Mendès-France, Carlos pontua que o país sofre com um “apagão” de mão de obra qualificada. “É muito difícil hoje conseguir pessoas qualificadas para as mais diversas atividades”, afirma.

O profissional contextualiza a situação brasileira ao apontar uma falta de atenção mais profunda em relação à educação: “Precisamos olhar para as crianças na primeira infância, no ensino básico e médio. A universidade é o final desse processo de formação do capital humano, mas se a base não for bem construída, isso vai ser um problema muito sério”.

Carlos é economista-chefe na Nest Asset Management, gestora de fundos, e conta com uma sólida experiência como consultor de empresas nas áreas de risco, modelagem estatística e finanças. Foi professor da USP e já participou de programas de TV como economista convidado em análise de conjuntura, bem como deu entrevistas para jornais como Folha de São Paulo e Estado de São Paulo.

É professor de MBAs da Fundação Instituto de Administração (FIA), da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Também ministra aulas no Mestrado em Administração de Empresas, da Unialfa, e no Mestrado Profissional em Administração, da Universidade de Fortaleza — mantida pela Fundação Edson Queiroz.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, Carlos fala sobre a relação entre capital humano e desenvolvimento econômico de um país, além de explicar o que é necessário para ser um bom economista.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — O que faz uma análise econômica ser boa, completa, ou ainda interessante? Que pontos não podem faltar?

Carlos Barbosa — A análise econômica sempre tem que ser olhada sob vários aspectos. Parafraseando um filósofo e economista do começo do século XX que escreveu A Ética Protestante e O Espírito do Capitalismo, Max Weber, uma boa análise econômica tem que levar em consideração três coisas. Primeiro, ela tem que considerar as relações econômicas, ou seja, a teoria econômica, as relações de causa e efeito. E isso é importante observar que ela não é uma ciência exata. Lembre-se: o elemento de análise, que é o ser humano aqui, toma decisões baseadas nas suas escalas de valores, e que, ao longo do tempo, também pode mudar. Então, a teoria econômica procura estabelecer certos padrões, e isso se observa ao longo do tempo.

No segundo ponto, deve-se levar também em consideração a questão de métodos quantitativos, análise de dados e tudo mais. Porque você tem que analisar essa eficácia de políticas econômicas de dados para saber se a política econômica está dando certo ou não.

E, finalmente, você tem que analisar isso sempre dentro de um contexto histórico. As pessoas têm o hábito de achar que tudo está atrasado, tudo é resolvido de última hora. Na verdade, não. O processo de construção de uma sociedade, do homo economicus, é ao longo do tempo. Temos que ter essa perspectiva também histórica e entender que a construção de um país enquanto nação é uma construção histórica que acontece [no decorrer dos anos].

Então, para ela ser uma análise boa, completa e interessante, o economista tem que olhar esses três pilares e se basear neles para entender as questões do dia a dia e para onde isso vai. Esses três pontos, eu diria que não podem faltar. E claro, também é importante, dentro dessa questão, levar em consideração que o conhecimento vai mudando com o passar dos anos, e a ciência econômica tem essa característica. Ela não é estática, ela também é dinâmica. Então temos que olhar também a questão da evolução da teoria

Costumo dizer — aqui citando Paul Krugman, um economista famoso —  que devemos realmente buscar, em um mundo que sempre nos confronta com surpresas desagradáveis, a integridade intelectual. Ou seja, a predisposição de encarar os fatos, mesmo quando eles estão em desacordo com as suas ideias, e a capacidade de admitir erros e de mudar de rumo. Se nós entendermos isso, já estamos em um bom caminho para fazer uma boa análise econômica.

Entrevista Nota 10 — A expressão “Capital Humano” costuma ser utilizada no meio empresarial ao se falar da força advinda do montante de conhecimento, experiência e capacitação dos profissionais que fazem parte de um negócio. Esse termo, no entanto, também costuma ser aplicado em questões econômicas. Qual é a relação entre o capital humano e o desenvolvimento da economia de uma nação?

Carlos Barbosa — O capital humano é uma das coisas fundamentais para o crescimento de um país. Se olharmos a questão do crescimento do Brasil, ou de qualquer nação, temos que pensar que existem dois fatores que são essenciais: investimento — ou seja, quem vai pôr o dinheiro — e o que a gente chama de produtividade marginal do capital.

A produtividade marginal do capital quer dizer o seguinte: para cada real que você põe em um negócio novo, quantos reais voltam ponderados pelo risco, pelo retorno e pelo prazo? Essas três questões estão intimamente relacionadas com o capital humano, porque ele é o que vai medir a produtividade. Lembre-se que a economia é orgânica, ela é composta por pessoas. Então, em última instância, para ter máquinas, equipamentos, tecnologia e ciência, nós precisamos de pessoas.

Pessoas que têm baixa qualificação, que não são preparadas para um mundo em constante transformação como o que nós estamos vendo — principalmente a partir dos anos 1980, 1990 e, mais recentemente, com o advento da internet —, vão acabar ficando fora da atividade econômica. Então, é fundamental vermos que a relação do capital humano e o desenvolvimento de uma economia estão intimamente relacionados. Capital humano aqui nós estamos falando de conhecimento técnico que se vai adquirindo ao longo do tempo. As pessoas precisam estar muito bem preparadas para isso.

Existem estudos muito recentes, saiu um agora este mês do professor Naércio Menezes, que é um dos economistas que estuda a questão da educação, infância e desenvolvimento. Chegaram à conclusão — que já era meio óbvia, mas agora foi quantificada — de que um investimento muito alto na primeira infância (do zero aos seis anos) tem um retorno muito grande em produtividade marginal do capital humano na idade adulta. Ou seja, para cada um dólar que você investe em uma criança na primeira infância, o retorno desse capital na idade adulta é de sete. Uma relação, então, de 1 para 7. Isso porque é o período em que o cérebro da criança está se formando, a neurologia já observou muito isso, então é um período que tem que ser muito bem investido.

Dessa forma, quando olhamos essa questão do capital humano, não podemos olhar a questão no final da vida da pessoa, quando ela está lá na universidade, mas os olhos hoje têm que estar voltados, na verdade, para a primeira infância, para o ensino médio, para o ensino primário. Por quê? Porque se essa criança não for preparada da forma adequada para o mundo que estamos entrando (já colocamos um pé dentro), não vamos conseguir acompanhar esse mundo. O Brasil, principalmente, vai ficar muito atrasado.

Então, o que vai acontecer nesse sentido? Não vamos ter cientistas desenvolvendo aqui, não vamos ter professores habilitados, não vamos ter capacidade de desenvolver ciência e tecnologia e de aprimorar também ciências e tecnologias que vêm de fora. Portanto, vamos acabar traçando esse caminho do subdesenvolvimento. E isto é uma coisa que o Brasil não tem levado em consideração em suas políticas econômicas nos últimos 40 anos. Nenhum governo deu a devida atenção.

O que se observa é “precisamos colocar as pessoas nas universidades”. Esse não é o caminho. Precisamos olhar as crianças na primeira infância, no ensino básico e no ensino médio. A universidade é o final desse processo de formação do capital humano, mas se a base não for bem construída, isso vai ser um problema muito sério. E isso nós já estamos tendo aqui no Brasil com o apagão de mão de obra qualificada. É muito difícil hoje você conseguir pessoas qualificadas para as mais diversas atividades. Lembrando também que o Brasil é um país que tem mais de 70% do PIB formado por serviços. E em serviços, o principal insumo é a mão de obra, ou seja, capital humano. Portanto, a produtividade do capital humano nunca se tornou tão fundamental como é agora.

Entrevista Nota 10 — Pensando no ambiente econômico atual, como o Brasil tem olhado para o desenvolvimento do capital humano? Como isso reflete na imagem do país para a comunidade internacional? O que podemos esperar para os próximos anos?

Carlos Barbosa — Eu diria que o Brasil não tem olhado com a devida atenção nos últimos 40 anos, na verdade. Praticamente desde a década de 1980. Nós precisamos, nesse sentido, ter políticas econômicas voltadas principalmente para a questão educacional. E quando eu falo questão educacional, não é aumentar a verba, não é aumentar os gastos com a educação. O Brasil já tem um gasto muito alto com esse setor. O que nós precisamos é ter maior eficiência e maior zelo com a questão do gasto com a educação.

O Nordeste mesmo tem exemplos muito bons de escolas públicas, com jovens saindo do ensino médio e entrando em boas universidades. Isto mostra que existem focos de excelência na preparação do capital humano. E, portanto, a meu ver, o que temos é um problema de ingerência dele. E isso reflete na questão do Brasil no mercado internacional de maneira muito positiva se tivermos um capital humano bem desenvolvido.

Mas, em nosso caso, a questão é negativa. Basta ver, por exemplo, que o Brasil, desde que participa do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) — exame que avalia a capacidade, em alguns países selecionados, das crianças de ensino médio na leitura, compreensão de texto, avaliação em matemática e ciências —, sempre tem ocupado as piores posições no ranking. Mostra que o nosso ensino básico é muito ruim, não está preparando essa futura pessoa para um trabalho que vai exigir cada vez mais uma capacidade de discernimento e de análise de dados muito grande.

Outra coisa que é importante: as habilidades que estão sendo exigidas hoje no mercado de trabalho e no mundo são habilidades de análise, habilidades matemáticas, de reconhecimento de padrões, é um mundo completamente diferente. Nossos pais, nossos avós, quando tinham uma profissão, praticamente exerciam essa profissão ao longo de toda a sua vida e não precisavam aprender muito mais coisas novas. No entanto, no mundo de hoje, onde você tem uma questão de baixa taxa de emprego, o que vai existir é a empregabilidade. E a empregabilidade é a capacidade que você tem de se recolocar no mercado de trabalho sabendo fazer cada vez mais coisas novas e aprender coisas novas.

Nesse sentido, falo que o Brasil é igual àquela frase do Gato de Cheshire, em Alice no País das Maravilhas, quando ele pergunta à Alice para onde ela quer ir. No que a menina responde “não sei”, o gato fala “se você não sabe onde quer chegar, qualquer lugar serve”. Eu diria que o Brasil está mais ou menos nessa situação, ele não sabe onde quer estar daqui a 20, 30 anos. Não tem uma política de longo prazo voltada para essa questão do capital humano. E nós temos que observar que isso não é algo que se resolve em uma década. Na verdade, nós estamos falando aí de, pelo menos, três décadas para começar a surtir efeito.

Um bom exemplo disso é a Coreia, que de um país agrário nos anos 1950 — com um baixo índice de escolaridade, um processo educacional muito semelhante ao Brasil —, se tornou uma das maiores economias em termos de tecnologia. O que eles fizeram? Uma verdadeira revolução educacional olhando para essa questão do capital humano.

Eu não vejo com bons olhos o que esperar do Brasil para os próximos anos, uma vez que continuamos insistindo na questão de que precisamos colocar mais pessoas nas universidades, mas não estamos olhando, na verdade, como é a qualidade dessas pessoas que estão chegando no ensino superior. Ou seja, o ensino médio e ensino básico é muito primário, muito desatualizado com o que está acontecendo no mundo, o que vai refletir em um país novamente atrasado em relação às demais economias.

O Japão este ano lançou um novo programa educacional que vai do ensino básico até o ensino médio. As crianças vão ter uma carga de leitura muito maior, aulas de lógica e linguagem de programação e terão que sair do ensino médio falando pelo menos quatro idiomas — entre eles inglês, chinês, espanhol e alemão — e tendo noções de economia, finanças, noções de lógica e linguagem de programação, noções de mercado financeiro, porque esse é o mundo que vamos adentrar. Já adentramos, na verdade.

Entrevista Nota 10 — Você dá aulas sobre Análise de Cenários Econômicos, inclusive no Mestrado Profissional em Administração da Unifor, onde também busca trazer reflexões sobre capital humano. Qual a importância profissional e intelectual de estimular essa discussão no ambiente acadêmico?

Carlos Barbosa — Ela é fundamental. Porque o professor, acima de tudo, é quem vai inspirar os alunos a serem melhores do que ele. É claro, o professor universitário de um mestrado profissionalizante já está lidando com o pessoal formado. Nesse sentido, nós, como educadores, temos o objetivo de alertá-los com uma análise mais profunda para que eles — enquanto tomadores de decisão nas empresas, nos órgãos de gestão, mesmo em instâncias públicas — possam, a partir da reflexão em sala de aula, ajudar na construção de uma melhor relação dessa questão do capital humano.

Então, a importância profissional e intelectual nesse sentido enquanto professor, é trazer análises, dados e artigos que mostrem essas relações e que, a partir daí, esses profissionais, tanto da iniciativa privada quanto da iniciativa pública, possam juntos buscar soluções que sejam adequadas para o nosso país do ponto de vista educacional. Existem muitas parcerias onde empresas estão financiando institutos de ensino, permitindo, assim, haver melhor equipamento, melhores professores, melhores salas de aula.

Claro, isso não é a solução para todos os problemas. Nós temos que entender que o capital humano também está relacionado a questões muito mais fortes, como saneamento básico, moradia, segurança alimentar. Essas questões também são fundamentais para o desenvolvimento do capital humano. Então, enquanto pesquisador e professor, é fundamental alertar os alunos e participantes para que possam ter uma reflexão mais profunda sobre isso.

Entrevista Nota 10 — Enquanto professor, pesquisador e economista, o que você considera essencial na formação de um profissional que irá se dedicar ao universo da economia?

Carlos Barbosa — Acho que essa pergunta volta à primeira que eu respondi. Um bom economista vai ter que ter estas três formações muito sólidas dentro de si: 

  • Sólida formação em teoria econômica, entender muito das várias vertentes de teoria econômica.
  • Boa formação em métodos quantitativos, porque temos que lidar muito com dados e análises para mensurar os efeitos dessas políticas econômicas, e, portanto, técnicas estatísticas cada vez mais apuradas. Lembrando que, como é uma ciência onde as relações entre as variáveis são muito complexas, as técnicas estatísticas e econométricas têm que evoluir nesse sentido.
  • Sólida formação em história econômica para entender que um país é uma construção histórica ao longo do tempo. Portanto, para entender essa construção econômica, você tem que entender também essa construção histórica.

O Daron Acemoglu, professor da Universidade de Chicago, escreveu um livro muito interessante chamado “Por que as nações fracassam?” (Why Nations Fail?) onde tenta analisar, sob diversos aspectos, por que alguns países se desenvolveram enquanto outros não se desenvolveram. Nesse sentido, ele analisa várias questões, desde questões voltadas às instituições — se as instituições são sólidas e seculares, as instituições aqui estou falando de executivo, legislativo, judiciário — ou mesmo pegando uma vertente mais atual, por exemplo, olhando a questão de novas mudanças no comportamento de certas nações. Isso porque hoje não podemos falar que o capitalismo é uma economia de mercado igual em todos os países, ela tem certas variantes e características.

Portanto, eu diria que para um profissional adentrar nessa questão da economia, ele tem que estar muito de mente aberta para olhar todas essas questões e analisar com muita profundidade. E novamente, tentando sempre que possível ter essa integridade intelectual de encarar os fatos e entender que, muitas vezes, esses fatos podem estar em desacordo com as suas ideias e teorias, mas você tem que ter a capacidade de admitir esses erros e de mudar de rumo. Só assim que a ciência evolui. E a teoria econômica só vai evoluir também desse jeito. 

Essa integridade intelectual é que devemos ter enquanto professor e pesquisador, e é o que a gente espera na formação do profissional que vai se dedicar ao universo da economia. Ainda mais hoje, no mundo atual, um bom economista, além de ter essas formações em métodos quantitativos, em teoria e história, ele também tem que estar inserido em uma boa formação de lógica e linguagem de programação. Isso porque vamos lidar muito com dados, e os dados hoje estão vindo em formas cada vez mais sofisticadas, o famoso big data. Hoje um economista tem que saber programar pelo menos em duas linguagens, em R e Python, e tem que saber lidar com um banco de dados. Isso para se integrar nesse mercado de trabalho cada vez mais competitivo e disputado.

Acredito muito que o caminho para o sucesso de qualquer país é sempre através da liberdade econômica. Lembrando uma frase de Friedrich Hayek, a liberdade não significa não somente que o indivíduo tenha tanto a oportunidade quanto o fardo da escolha. Significa também que ele deve arcar com as consequências de suas ações. Liberdade e responsabilidade são inseparáveis.

Nesse sentido, o caminho para um profissional que quer se dedicar à área de economia passa por esses grandes tópicos, como eu falei. Sólida formação em teoria econômica, sólida formação em métodos quantitativos, lógica e linguagem de programação, e também em história econômica.