ter, 13 dezembro 2022 14:21
Experiências que dão "liga" ao currículo
Alunos voluntários das 64 ligas acadêmicas da área de saúde na Unifor complementam sua formação acadêmica em vivências práticas com a comunidade, aprofundamento de estudo e a chance de executar intervenções em seus campos de atuação
Licito, Ligado, Laps, Lilás, Lion e por aí vai. Os acrônimos que nomeiam as ligas acadêmicas da Universidade de Fortaleza, instituição vinculada à Fundação Edson Queiroz, estão na “ponta da língua” dos estudantes de diversas graduações do Centro de Ciências da Saúde Saúde (CCS). É que, por meio dessas entidades estudantis e científicas sem fins lucrativos, eles se unem a professores e profissionais com o objetivo de complementar sua formação acadêmica.
Nas 64 ligas acadêmicas do CCS, os discentes mergulham em vivências práticas com comunidades, no estudo em grupo e na chance de executar intervenções e ações em seus campos de atuação. Tudo acompanhado por docentes da Unifor e profissionais preceptores, em ambientes internos e externos à Universidade.
Essas iniciativas não são só a oportunidade de atuar como um aluno voluntário e experienciar algumas práticas, seguindo o mesmo tripé da instituição: ensino, pesquisa e extensão. São também uma boa oportunidade para criar conhecimento interdisciplinar e turbinar tanto o currículo profissional quanto acadêmico.
“O aluno da liga vai ser um profissional mais completo porque já vivenciou na Universidade o que vai vivenciar futuramente como profissional”, explica Rômulo Porto, um dos membros da Assessoria de Curricularização da Extensão do CCS, que é responsável pela coordenação das ligas.
Cada uma delas tem um estatuto e um regimento que determina o que o discente precisa cumprir para receber o certificado, os critérios de participação do processo seletivo e quando eles ocorrerão. Elas têm sua autonomia, e a universidade apenas regulamenta para que os projetos tenham proteção jurídica.
Além disso, há sempre um professor responsável e as atividades voluntárias desenvolvidas pelos discentes acontecem em locais como centros de saúde, hospitais, na comunidade e na própria Unifor, beneficiando também quem mora no entorno com ações de diversas áreas.
Na vivência com a liga, Alexandre descobriu sua missão profissional
Alexandre Borges Filho tinha acabado de ingressar no curso de Medicina da Unifor quando ouviu falar pela primeira vez das ligas acadêmicas. Foi em um grupo criado pelos veteranos para entender a expectativa dos calouros que ele teve acesso a links para as redes sociais de algumas ligas que promoviam aulas, cursos e outras atividades.
Alunos da Ligado ensinando para estudantes de medicina a imobilização em gesso na 1ª Semana da Medicina do Esporte e Traumatologia (Foto: Arquivo pessoal)
Animado com a experiência que ouvia de outros colegas do curso, resolveu tentar o processo seletivo. Quatro semestres depois e ele está em, ao menos, duas entidades! O estudante é membro ativo da Liga de Cirurgia Torácica (Licito) e presidente da Liga de Anestesiologia, Dor e Ortopedia (Ligado).
“Procurei ingressar em ligas que promovem matérias que não são muito abordadas no currículo tradicional da medicina”, conta. Nelas, ele diz ter a chance de participar de cursos e simpósios, da organização de congressos e de escrever artigos de pesquisa e livros. Também tem uma experiência prática voluntária e atua em campanhas de doação e de promoção da saúde, podendo contribuir com a comunidade.
Alunos da Ligado e outras instituições no III COLIG, parte do Congresso Cearense de Ortopedia e Traumatologia (Foto: Arquivo pessoal)
“Ou seja, acaba que não somos limitados a falar exclusivamente do tema em questão e também é comum fazer parcerias com várias ligas para abordar temas ainda mais abrangentes”, celebra. O tempo necessário para participar da liga depende do envolvimento de cada aluno e do posto que ele ocupa no grupo, podendo ser membro, coordenador ou presidente, por exemplo.
(Foto: Ares Soares)
“A participação em ligas foi um divisor de águas para minha formação. Você aprende a apresentar conteúdos, fazer gestão de times e de projetos, planejamento e organização, como fazer certificação e como fazer um produto para uma audiência específica” – Alexandre Borges Filho, estudante do quarto semestre de Medicina.
A experiência na liga acadêmica, segundo Alexandre, moldou sua maneira de pensar na profissão. O insight veio especialmente com um projeto na Capitania dos Portos do Ceará, onde estudantes de diversos cursos participaram de uma iniciativa fazendo avaliação e promoção à saúde no atendimento a crianças dos colégios militares.
Na vivência, Alexandre sentiu que aplicava tudo o que havia visto na sala de aula. “Nesse dia, eu senti no meu corpo e alma que a medicina é o meu caminho, a minha missão”, recorda.
Expandir horizontes e sair da zona de conforto
A ponte entre a graduanda Marília Ricarte e as ligas de medicina foi feita por companheiros de graduação, que lhe indicaram conhecer os mais de 30 grupos relacionados ao seu curso pelo Instagram. Ela então foi filtrando quais as que mais se encaixava.
Agora, no oitavo semestre de Medicina, a estudante faz parte da Liga de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Locape) e da Liga de Trauma, Emergência e Medicina Intensiva (Litemi). Também é membro afetivo da Liga de Palhaçoterapia e Humanização (Projeto Nariz).
Mas tudo começou em 2019, no seu segundo semestre de curso. Preocupada em trabalhar o lado humano como médica, optou pelo Projeto Nariz. No ano seguinte, veio a pandemia e uma forte necessidade de sair da sua zona de conforto, então mergulhou na seleção para a Locape, onde teve mais contato com a cirurgia e pôde acompanhar procedimentos. Depois, começou a sentir seu coração “bater mais rápido” e acabou se apaixonando pela Emergência e seu poder de salvar vidas e evitar danos.
O fato é que Marília já passou na liga pelos postos de presidente, vice-presidente, coordenadora de ensino, coordenadora de pesquisa, fez parte do marketing e atuou indiretamente na extensão. E isso lhe deu a possibilidade de trabalhar vários aspectos, como liderança, senso de justiça e capacidade de ministrar aulas, além de compreender melhor a importância da pesquisa.
(Foto: Ares Soares)
“As ligas acadêmicas têm o papel de estimular a sair da zona de conforto, a conviver e fazer amizade com pessoas de semestres diferentes, a focar mais em uma especialidade, a ter mais contato com os professores e a se tornar mais aberto a novas experiências, como acompanhar procedimentos cirúrgicos, ir para congressos, fazer trabalhos científicos” – Marília Ricarte, estudante de medicina.
Mas não é só o desenvolvimento profissional e acadêmico que são impulsionados nas ligas. A aluna coleciona uma série de momentos marcantes que contribuíram para que ela se sentisse também mais humana e se conectasse melhor com os pacientes.
Foi assim quando conheceu, pelo Projeto Nariz, uma garotinha de 10 anos que estava internada com Síndrome de Guillain-Barré, doença neurológica que causa fraqueza muscular generalizada, e só queria ser escutada. Também foi assim quando pôde ajudar idosas com queixas auditivas e de equilíbrio em um lar de idosos pelo Locape.
O sentimento ainda se repetiu na Litemi, quando participou das capacitações em Suporte Básico de Vida que ajudaram um enfermeiro a identificar de prontidão uma parada cardiorrespiratória e iniciou o protocolo ensinado pelos membros da liga. “Pude constatar que, com pouco, nós conseguimos evitar danos, melhorar a assistência e garantir uma medicina mais acessível”, conta Marília.
As ligas se expandem por vários cursos da área da saúde
No Brasil, as ligas acadêmicas surgiram atreladas às graduações em Medicina da região Sudeste, mas foram se expandindo em muitos outros cursos da área de saúde ao longo dos anos. Na Unifor, elas são oferecidas em pelo menos 10 cursos de diferentes, entre eles Nutrição, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Psicologia, dentre outros.
“Sempre ouvi falar sobre as ligas acadêmicas no decorrer da Universidade, no entanto, acreditava que era apenas para o curso de Medicina”, confessa a estudante do 10º semestre de Psicologia, Camile Studart.
Mas aí ela viu a divulgação de processo seletivo para cursos do CCS nos corredores do campus e nas redes sociais e achou a ideia muito interessante. “Eu me encantei. Achei muito bacana as ações, reuniões, aulas e os projetos que os alunos se dedicavam”, conta.
(Foto: Arquivo pessoal)
“Participar de uma liga acadêmica me proporciona relacionamentos com estudantes de outros cursos, com vivências práticas com a comunidade, estudos mais aprofundados e a possibilidade de criar e executar intervenções dentro da minha área de estudo” – Camile Studart, estudante do 10º semestre de Psicologia
Durante dois anos, Camile participou da Liga Acadêmica de Promoção à Saúde (Laps). “O que me impulsionou para ser membro da liga foi a percepção da relevância dessa experiência para a minha formação profissional e humana”, explica. Ali, ela encontrou espaço para criar, inovar e ajudar outras pessoas.
Na coordenação da comissão de extensão do Laps, Camile organizava e planejava ações nos mais diversos locais, como shoppings, alguns setores no Núcleo de Atenção Médica Integrada (NAMI), posto de saúde e escolas. Também ajudava a preparar conteúdos para apresentar à comunidade, organizava aulas e lives no Instagram sobre promoção à saúde. Dedicava à liga entre cinco e sete horas por semana, mas esta carga horária depende da entidade, da função que se tem nela e da disponibilidade e interesse do discente.
Ação da Liga Acadêmica de Promoção à Saúde (Foto: Arquivo pessoal)
“A liga me permitiu me desafiar, aprender a lidar com desafios, com pessoas, a planejar e organizar ações, liderar gente e a ter contato com alunos de outros cursos”, celebra. Camile destaca ainda o contato constante com a docente responsável pela LAPS que a deixava mais segura com os aprendizados e a autonomia dos membros para criar, pensar e estruturar projetos.
Ela conta que aprendeu muito nas ações ouvindo as pessoas e, com isso, foi desenvolvendo uma postura ética e humanizada à medida que adquiria mais conhecimento em áreas correlatas à psicologia. “A liga acadêmica despertou em mim o desejo de sempre buscar mais conhecimento, de não parar, mas ir além e principalmente de acreditar na minha capacidade”, afirma.
Nas ligas, alunos também ministram aulas e treinamentos (Foto: Arquivo pessoal)
Grupos cada vez mais interdisciplinares
Responsável pelas ligas da medicina, o professor Carlos Clayton Torres Aguiar conta que, nos anos 2000, as ligas acadêmicas começaram a ganhar mais força nas universidades brasileiras. Desde então, a mesma liga passou a abraçar alunos de diferentes cursos, ampliando ainda mais o conhecimento por meio da interdisciplinaridade.
As vantagens para os alunos que participam desses grupos são inúmeras. Eles têm a chance, por exemplo, de adquirirem conhecimento em áreas específicas que muitas vezes estavam em dúvida sobre se especializar.
Não quer dizer, claro, que o estudante já seja um especialista antes de concluir o curso, mas ele tem a chance de conviver com orientadores e profissionais de determinado ramo de especialidade para conhecer melhor o dia a dia e tomar uma decisão.
(Foto: Arquivo pessoal)
“Por meio das ligas, há contato direto de especialidades da saúde com a comunidade. A ação tanto ajuda na produção de conhecimento do aluno como numa melhor qualidade de atendimento a quem precisa” – Clayton Aguiar, professor do CCS e responsável pelas ligas da Medicina
Do ponto de vista mais geral, a liga acadêmica permite ao estudante adquirir competência em três pontos: na extensão, que é o atendimento às comunidades de beneficiários, no engajamento da pesquisa científica e no aprofundamento em conhecimento nos temas abordados na iniciativa.
“As ligas acadêmicas vão permitir que o aluno tenha um pensamento mais amplo porque ele vai trabalhar os três eixos que são pesquisa, ensino e extensão. É um combo completo. Então elas vão permitir tanto o crescimento acadêmico quanto profissional e pessoal do discente”, afirma Rômulo Porto, membro da Assessoria de Curricularização da Extensão do CCS.
Rômulo Porto, membro da assessoria de curricularização da extensão do CCS (Foto: Arquivo pessoal)
Na outra ponta da linha, as ligas também beneficiam comunidades com ações educativas de promoção à saúde, atendimentos, prestação de serviços. “Algumas ligas farão atendimento odontológico, prestarão atendimento no diagnóstico de determinadas patologias ou ainda vão ajudar a própria comunidade a ter determinado conhecimento e replicá-lo a outros membros da comunidade”, esclarece o professor.
Experiência fica marcada na vida profissional
Ingrid Moura participou da Liga Acadêmica de Disfagia quando cursou Fisioterapia na Unifor (Foto: Arquivo pessoal)
A fisioterapeuta Ingrid Moura concluiu a graduação em 2019 na Unifor, mas não esquece as vantagens que participar das ligas acadêmicas deixaram até hoje na sua vida profissional. Ela participou da Liga Acadêmica de Disfagia (LADISF), de 2018 a 2019.
“Decidi entrar nesta liga porque tinha curiosidade de saber a atuação da Fisioterapia associada a este distúrbio, já que é uma liga multiprofissional”, lembra. Durante sua permanência na iniciativa, realizou minicursos e ciclo de palestras, ações de saúde e escreveu trabalhos científicos.
“Hoje, durante a minha prática clínica, eu posso analisar melhor meu paciente porque eu não vejo só a atuação da fisioterapia, como eu aprendi na graduação, e sim diversas alterações orgânicas que ele tem. E muitas delas eu posso identificar e proporcionar uma melhor assistência ao paciente”, sintetiza. As ligas são espaços de conhecimento e humanização onde todos os envolvidos só têm a ganhar.