seg, 10 fevereiro 2020 13:56
Entrevista Nota 10: Gestor de carreiras e de criatividades
Max Eluard é um cearense que nasceu fora do Ceará. Encantado com a Universidade de Fortaleza, com seus alunos e com seu campus, ele não titubeou ao aceitar a proposta para deixar a vivência de produtor audiovisual em São Paulo e assumir a direção da TV Unifor. O ano era 2019 e, de lá para cá, muitas mudanças já foram implantadas na emissora. Agora, ao invés de lógica de uma televisão comercial, a TV Unifor é um laboratório criativo e pulsante. Divididos em núcleos, os estudantes de vários cursos podem exercer suas subjetividades e estéticas. E os mais de 60 estagiários que compõem a emissora atualmente não são originários apenas dos cursos de Jornalismo e de Cinema e Audiovisual. Moda, Marketing, Publicidade e Propaganda e até mesmo o Direito têm espaço garantido dentro da TV Unifor. O importante, elucida Max Eluard durante entrevista, é manter o compromisso com o trabalho, ter ideias inovadoras e estar disposto a aprender sempre.
Antes de aportar em terras cearenses, entretanto, ele teve a oportunidade de trabalhar com grandes cineastas e de desenvolver projetos para a TV Cultura – uma das mais reconhecidas emissoras de caráter público no território brasileiro. Os anos garantiram que Max pudesse conhecer “a realidade das quebradeiras de coco babaçu, da seca terrível no interior de Alagoas”. São experiências sinestésicas e vivências que, agora, ele pode compartilhar com os estudantes que integram os quadros da TV UNIFOR. Depois de produzir longas-metragens, curtas-metragens, séries e webséries, Max aprendeu que “o produtor nada mais é do que o cara que olha para aquele universo de projetos e talentos”. Essa investigação segue até que o profissional decida em qual possibilidade vai apostar.
Prestes a estrear com seu novo filme, Max Eluard falou com o Entrevista Nota 10 sobre carreira, mercado nacional, o papel do produtor, o atual momento da TV UNIFOR e sobre suas recentes mudanças.. Confira!
Entrevista Nota 10 – Eu gostaria de começar falando sobre a sua trajetória
Max Eluard – Eu estou no mercado desde 1998, quando me formei em Rádio e TV na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, em Bauru, e comecei trabalhando em São Paulo. Quando me formei nos anos 1990, nós estávamos no início da retomada do cinema brasileiro, nós produzíamos cerca de 15 ou 20 longas-metragens por ano - que parece algo pífio perto dos 300 longas que nós produzimos por ano hoje no Brasil. E, apesar de ter o sonho de trabalhar em cinema, não era uma perspectiva possível e viável naquela altura da história do Brasil. Então, eu sabia que eu tinha que trabalhar na televisão e fui para São Paulo fazer isso. O primeiro trabalho que eu consegui em São Paulo foi assistente de produção de uma produtora independente que estava produzindo uma série sobre a história dos bairros de São Paulo, que seria exibida na TV Cultura, uma TV pública lá do estado de São Paulo. Era uma série dirigida pela Maria Cristina Poli e pela Neide Duarte. Eu me aproximei muito da Neide nesse processo. Nós trabalhamos durante quatro meses na produção dos quatro últimos episódios dessa série. Um belo dia, a Neide me liga me convidando para ir trabalhar na TV Cultura porque ela tinha sido chamada para dirigir uma série de documentários da TV Cultura como funcionária mesmo, lá dentro da TV Cultura, e me convidou para ser assistente dela nessa série. Fiquei de 1998 até 2004 trabalhando como produtor do núcleo de documentários da TV Cultura. Era uma série que viajava o Brasil identificando trabalhos no terceiro setor que conseguiam transformar uma realidade de uma localidade. Eu conheci da Amazônia ao Rio Grande do Sul. E ali foi uma grande escola para mim porque, além de trabalhar com a Neide, eu trabalhei com dois jornalistas que foram fundamentais para minha formação: Washington Novaes, um jornalista de meio ambiente com quem trabalhei na série de cinco documentários e também viajando o Brasil, e Paulo Markum, outro jornalista também muito experiente e com quem eu produzi dois documentários. Lá dentro da TV Cultura, eu vi nascer uma política pública que foi muito importante para o audiovisual nacional. Por volta de 2003 o chefe de documentários da TV Cultura, que ere o Mário Burgnet, junto com representantes da Associação Brasileira de Documentaristas de São Paulo, teve uma ideia. Fazer um edital que visava a formação, a capacitação, a produção e a distribuição de documentários televisivos. Ali foi criado o DOC TV, que foi uma política pública de coprodução de documentários. Eram lançados 27 concursos concomitantes nas 27 unidades federativas brasileiras. E eram selecionados 35 projetos para serem produzidos e virarem filmes ou documentários para serem exibidos nas grades de programação das emissoras educativas de todas as unidades federativas do Brasil. Nós ajudávamos os postulantes a formatarem suas ideias para concorrer no concurso. Depois nós pegávamos os vencedores e fazíamos com eles uma oficina para desenvolver os projetos que tinham sido vencedores para antes deles começarem a filmar eles poderem aprimorar os projetos. Foram quatro edições, oito anos de trabalho muito intenso na construção de uma política de produção regional. Porque, até então, a produção cinematográfica no Brasil se concentrava no eixo Rio de Janeiro e São Paulo. E o DOC TV foi a primeira política pública que visava a regionalização da produção. Foi no DOC TV que vimos surgir documentaristas, cineastas. Acabada minha missão no DOC TV, eu decidi cuidar dos meus filmes. Era 2010, eu decidi começar a produzir. Sai do DOC TV, fiz alguns documentários como realizador, mas acabei me encontrando mesmo na produção de maneira quase acidental. Mas começou uma trajetória como produtor mesmo. E, de lá para cá, foram oito longas-metragens que eu produzi, mais de vinte curtas-metragens, outros tipos de produtos audiovisuais.
Entrevista Nota 10 – Quais as atribuições de um produtor de audiovisual dentro do mercado de trabalho e qual é a importância dessa figura para as produções?
Max Eluard - A produção tem muitas facetas. Quando falamos “o produtor ou a produtora”, ela é ou ele é o dono do filme. Uma obra audiovisual, para poder existir, precisa estar vinculada a uma empresa produtora. Até para acessar recursos públicos, tirar o certificado de produto brasileiro, poder licenciar a obra. Então, se, por exemplo, você tem uma ideia ótima de filme e o produtor diz que quer realizar o trabalho, vai ser assinado um contrato, você vai ceder o direito desse filme para a empresa produtora – que será a representante legal da obra. O produtor é o dono do filme, é a pessoa que decide quais projetos vai fazer e é o parceiro criativo do diretor. O filme surge com uma ideia, então, o produtor é o profissional que vai falar para o diretor: “Legal, então, vamos desenvolver essa ideia, acho temos que conseguir esse fundo holandês porque seu filme tem tudo a ver com o Festival de Rotterdam e depois você vai estrear lá”. É o profissional que pensa estrategicamente como fazer a ideia virar um filme – e também financeiramente e administrativamente. Do ponto de vista das relações humanas, ele aponta para o diretor quais profissionais que se alinham com o projeto estético. O produtor é o gestor de recursos, de pessoas e da carreira do filme.
Entrevista Nota 10 – Max, como começou o seu relacionamento com a Unifor?
Max Eluard – O meu relacionamento com a Unifor foi um pouco inusitado, mas um encontro muito feliz e rápido. No meio de 2018, eu fui convidado pela Beth Jaguaribe, professora e coordenadora do curso de Cinema e Audiovisual da Unifor, para ministrar um workshop para os alunos da graduação sobre produção criativa. Era contar essa história de como fazer uma ideia virar um filme, como fazer um filme ter uma carreira. E passei uma semana dando esse workshop, todos os dias, que culminou com uma master class. E eu fiquei absolutamente encantado, encantado com os alunos, encantado com esse campus maravilhoso. Fortaleza eu já conhecia. Tinha vindo aqui por causa de festivais de cinema, inclusive. Fiquei muito encantado com o ambiente. Já tinha alguns amigos aqui – como o professor Glauber (Filho) - que eu já conhecia do mundo do cinema. Dei esse curso, todo mundo saiu satisfeito, fiz amigos e voltei para São Paulo. Escrevi para Beth falando que adorei a experiência. Até então, eu morava em São Paulo desde 1998. Vinte anos de São Paulo com dois filhos! E, justamente nesse momento, minha esposa e eu discutíamos muito para onde ir - essa coisa meio romântica, meio a fuga romântica no paulistano para o campo. Mas a gente estava alimentando isso. E eu esperei pacientemente até que, em novembro do mesmo ano, eu recebi uma ligação de uma coordenadora lá do Porto Iracema das Artes me convidando para fazer parte da banca do pitching dos projetos do Cena 15. Era apenas um fim de semana, rapidinho. Eu estava interessado em estreitar esses laços. Chegando aqui, eu estava no carro, saindo do aeroporto, recebi uma ligação da Beth Jaguaribe. Chegando aqui havia a proposta para assumir a direção da TV Unifor - que estava já no horizonte da professora Ana Quezado como diretora de Marketing. Seria empreender mudanças na grade de programação e no funcionamento da TV. Ela fez esse convite para vir e tentar desenhar um horizonte de mudanças para TV. Acho que ela se surpreendeu porque eu aceitei na hora. Eu falei “eu topo, vamos”. Claro, aconteceram nuances, como desarmar toda uma vida em São Paulo. Eu tinha uma casa, dois filhos, dois gatos, jabuti, coelho. Era muita coisa, mas deu certo. Essa história começou em setembro e, no dia 4 de março, eu estava me mudando para Fortaleza.
Entrevista Nota 10 – Quais desafios foram encontrados por você quando chegou aqui para assumir o novo cargo? O que mais inspirou você nessa época?
Max Eluard - Eu acho que foi um pacote grande de desafios. Desde o meu filho de sete anos que não queria mudar de forma alguma por conta dos amigos - um processo de convencimento e hoje ele não sai daqui de jeito nenhum - até todo um desafio de entender o funcionamento de uma grande instituição, de entender os anseios, de entender o que estava em jogo, de entender quais as expectativas da instituição em relação à TV, de entender quais mandatos ela tinha que cumprir, de entender quem eram os atores que estavam ali dentro e qual era o lugar de cada um. Porque não dá para você chegar em uma estrutura que já tem tanto tempo - a TV UNIFOR já tinha 13 anos - querendo embaralhar as peças. Foi o desafio de tomar pé da situação e entender realmente o funcionamento. Eu acho que o primeiro desafio, neste meu diagnóstico em relação à TV, foi entender a importância dela e o que ela representava para os alunos. Acho que estamos em uma instituição de ensino cuja missão principal é a formação desses jovens. Minha primeira preocupação foi entender o que a TV UNIFOR significava para os alunos, o que os alunos esperavam dela e o que ela podia dar na formação desses alunos. Depois foi entender a expectativa da própria instituição, como a TV tem que atender internamente a instituição. E juntar todos os professores, saber quais os talentos deles e como cada um poderia ajudar na orientação desses alunos. E depois entender o desenho de produção. Foi a primeira constatação importante: perceber que em uma televisão universitária eram produzidos conteúdos como se fosse uma TV comercial aberta. E, no meu entendimento, isso gerava um grande exercício de frustração nos alunos e em toda a equipe. Eu percebi que os alunos entravam na TV com muito desejo de criatividade, com muito gás e, em pouco tempo, eles murchavam - porque descobriam que não tinham espaço. Então, eu tinha um problema de desenho de produção dentro da TV. Foi a primeira coisa na qual me debrucei para tentar mudar e, hoje, a TV UNIFOR funciona por meio de núcleos de criação e produção. Não temos mais programas de grade dessa forma. Apenas o jornal continua sendo exibido toda sexta-feira. Acho que para os alunos que fazem Jornalismo e querem seguir a carreira de repórter e trabalhar em uma redação, esse exercício é importante. Mas para os outros programas de entretenimento e de entrevista – nós criamos outro desenho. Cada núcleo cria e desenvolve uma ideia, grava, produz, edita e - quando tiver todo pacote editado - nós promovemos e colocamos. É uma lógica de Netflix. Você tem um monte de conteúdo e pode ser consumido na grade de diversas formas. A lógica foi inverter para não ficar pressionado pelo tempo. A TV consegue cumprir seu papel de ser um laboratório para os alunos - de linguagem, de experimentação, de formatos. Sair da TV sabendo segurar o microfone igual repórter ou apresentar na bancada não vai valorizar os profissionais no mercado. O que vai valorizar é apresentar uma matéria “fora da caixinha”.
Entrevista Nota 10 - Como funciona a TV UNIFOR? Quem participa e quem pode participar? Onde os programas produzidos são exibidos?
Max Eluard - A TV UNIFOR - como uma televisão universitária - se enquadra dentro do que chamamos de campo público de televisão. Falamos campo público porque temos cinco tipos de televisões públicas. As TVs educativas e culturais - como a TV Ceará aqui e a TV Cultura em São Paulo; as TVs do Judiciário - como é a TV Justiça; as TVs do Legislativo - como a TV Assembleia e a TV Câmara; as TVs comunitárias, que são aquelas emissoras pequenas mesmo e de um alcance bem local; e as TVs universitárias - que são emissoras que funcionam dentro do aparato institucional de uma universidade pública ou privada, não importa. O que torna esses cinco segmentos de televisão do campo público é que, teoricamente, são emissoras que estão olhando para qualquer questão a partir do interesse público. Uma TV dentro de uma Universidade onde se produz conhecimento também tem um grande papel de difundir esse conhecimento produzido pela universidade - de forma que ele se torne acessível ao grande público. E que a gente consiga pegar uma pesquisa avançada sobre genoma humano e traduzir de forma que as pessoas entendam o impacto disso nas suas vidas. Hoje, a TV Unifor opera no canal 181 da NET - que cobre a Grande Fortaleza. A TV faz 15 anos em agosto e trazemos novidades em relação à difusão do conteúdo. Não vou adiantar, vou deixar em suspense. Mas vamos ter novidades importantes em relação ao alcance da TV e à difusão do seu conteúdo. A TV é feita pelos estudantes dessa universidade. Temos mais de 60 estagiários - majoritariamente dos cursos de Jornalismo e Cinema. Porém, temos muitos estagiários dos cursos de Arquitetura, de Publicidade e Propaganda, de Marketing, de Moda. Temos até estagiários do curso de Direito. Porque a TV Unifor está aberta. Se qualquer aluno quiser conversar comigo para apresentar um projeto, uma ideia ou um conteúdo que pode ser de interesse, nós vamos conversar e ouvir. Não só alunos, mas professores também. A TV é uma grande ferramenta dessa universidade e é para ser usada por todos. Então, não temos restrição em relação aos cursos dos alunos que querem fazer estágio na TV. O que precisa ter é disponibilidade, compromisso de trabalho com TV. Nós simulamos um ambiente de trabalho. Todos têm horário para chegar e para sair, uma carga horária a se cumprir na semana, e metas e tarefas para executar também. A TV Unifor é totalmente aberta a qualquer aluno da universidade que tem interesse e queira ter uma experiência no audiovisual.
Entrevista Nota 10 – Atualmente, qual é o tipo de produção da TV UNIFOR?
Max Eluard - Ali na minha chegada e no diagnóstico que eu desenhei da TV, teve uma conclusão muito importante. A TV Unifor, até então, não tinha público específico. Você não conseguia olhar para grade da TV Unifor e entender especificamente quem era o público daquela TV. E, para mim, ficou muito claro, entendendo o papel, de maneira global, que a TV precisava se comunicar com o público jovem. Porque esse era o público com o qual queríamos nos conectar. A formação dos núcleos de criação e de produção e a orientação para o início dos trabalhos foi justamente essa: queremos programação para o público jovem. Podemos falar de tudo, de qualquer coisa, mas tem que falar isso pensando que o nosso alvo principal é o público jovem. E, aí a partir daí, os núcleos começaram a ter as ideias. Temos hoje, em produção, um telefilme sobre a história do automobilismo cearense. E eu tenho orgulho de falar isso: todas as ideias são dos alunos. Estamos fazendo esse documentário sobre o automobilismo cearense. Tem uma história fantástica que eu não fazia ideia, fiquei muito surpreso.
Entrevista Nota 10 – Então, todos os passos são dados pelos alunos?
Max Eluard - Eles são autores das ideias originais, eles são os pesquisadores dessas ideias, eles são os desenvolvedores, eles são os produtores, eles apresentam, eles acompanham a edição – e, em alguns casos, eles fazem a câmera. Contamos com apoio técnico de uma equipe de cinegrafistas e editores profissionais, além de nossos técnicos no controle que mantêm a TV no ar. Mas nós temos também duas equipes de editores e cinegrafistas profissionais do mercado disponíveis para as produções. E, quando eles chegam aqui, eu falo “tem que mudar a chave”. Passou desse portão, eles são mestre de ofício. Não são mais apenas cinegrafistas, eles fazem parte da conscientização desses alunos. E eu acho que, a partir dessa conscientização, se transformou a relação dos alunos com esses cinegrafistas e editores. Estão muito mais parceiros hoje. Você tem regras, claro, eu trabalhei em televisão e eu sei como é que acontece. Determinada imagem você não pode captar de um jeito, você tem que fazer assim, tem o certo e o errado. Entre aspas: aqui queremos o errado. Queremos testar o errado para ver se aparece algo novo, essa ideia de fazer da TV um laboratório.
Entrevista Nota 10 – Nós temos visto muitas produções do cinema brasileiro ganhando destaque. Como você avalia o momento que o audiovisual brasileiro vive?
Max Eluard – Nós vivemos um momento contraditório. Vivemos durante quase dez anos com o crescimento do mercado audiovisual nacional acima da média chinesa. E agora estamos vivendo uma retração, mas tem um lado que ainda continua avançando. Que lado que continua avançando? É o lado da produção para as grandes plataformas de streaming - como a Netflix, a Amazon Prime Video, o Facebook que já está fazendo conteúdo próprio. Temos um grande mercado de produção de séries e de conteúdos que segue em expansão. A Netflix anunciou, esse ano, o investimento de mais de R$ 300 milhões em produções originais brasileiras. Temos um mercado aquecido e que demonstra que ainda tem espaço para crescer. Porque agora estão chegando os concorrentes da Netflix no mercado. Mas, por outro lado, pensando na produção cinematográfica, vivemos um momento de retrocesso das políticas públicas. Os detratores dessa política defendem a ausência do poder público, da mão do poder público, nesse circuito, nesse nicho do mercado. Mas eu acho que é um grande equívoco. Não existe cinematografia no mundo que não dependa do poder público. As únicas cinematografias que não dependem do poder público, no mundo, estão em Hollywood. E eu estou falando especificamente sobre Hollywood, não estou falando da produção independente americana. Essa, sim, segue trabalhando com a rede pública de televisão, com financiamentos públicos, com linhas de crédito. O cinema francês, o cinema inglês, o cinema de toda a América Latina, o cinema asiático, todos esses cinemas dependem do poder público e da interferência do poder público. A indústria de entretenimento audiovisual norte-americana não foi erguida a partir do suor e das lágrimas dos seus produtores e investidores. Ela foi erguida com muito subsidio público. A Agência Nacional do Cinema (Ancine) tem um papel de fiscalizar, como toda agência reguladora, mas também tinha o papel de fomentar. Ela promovia a regulação do mercado a partir do fomento. Então, a Ancine conseguia trabalhar na regulação e no fomento. E fazia com que tivéssemos esse crescimento no nosso mercado audiovisual. Hoje, estamos há mais de um ano e meio sem um edital do Fundo Setorial Do Audiovisual (FSA). Estamos há um ano e meio sem nenhum edital, sem nenhum financiamento saindo dos cofres desse fundo que existe alimentado pela nossa atividade, para fomentar a nossa atividade com um dinheiro que está parado. E, contraditoriamente, vivemos um grande momento da nossa cinematografia. Tivemos o Festival de Rotterdan - um dos principais festivais do mundo - com a presença de 12 filmes brasileiros. Tivemos o Festival de Berlim e o Festival de Cannes – que é o principal festival do mundo, com 19 filmes brasileiros. Vivemos um momento muito de reconhecimento internacional da qualidade artística dos nossos filmes e, ao mesmo tempo, estamos ficando por aqui meio que a ver navios passando.
Entrevista Nota 10 – Gostaria de falar também sobre a recente seleção que um filme seu recebeu para o Festival de Berlim, que é um dos mais importantes momentos da indústria audiovisual ao redor do mundo...
Max Eluard – É sempre importante para a carreira de um filme estrear em um grande festival internacional, pois gera mídia espontânea, as pessoas falam do filme, outros festivais querem o seu filme. Quando a gente consegue estrar em um festival como Berlim, Cannes, Veneza, não precisamos mais fazer inscrição para nenhum festival, todos eles vêm pedir o filme sem a gente precisar inscrever. Já é ótimo para a carreira do filme, ótimo para a carreira do diretor, ótimo para carreira do produtor. Tudo isso gera reconhecimento. Geralmente vamos para esses ambientes apresentar o filme e já levamos novos projetos para encontrar parceiros, para buscar financiamento para os novos projetos. É uma honra e um aditivo que ganhamos na carreira. Mas pode ser um ardil. Eu vejo muitos diretores e muitos produtores que, às vezes, ficam com essa ideia fixa, com essa obsessão de festival. Então, se meu filme não entrou no festival, ele não presta. Temos que ir para esses festivais ganhar os prêmios, mas sem nenhuma ingenuidade e com muita malícia. Entendendo que isso é importante e que a gente constrói nossa carreira a partir daí. Mas isso não determina o valor do que a gente faz. Eu tenho vários filmes que eu produzi e que não passaram em nenhum festival, que não tiveram uma acolhida da crítica e que são filmes meio obscuros. Mas que meia dúzia de pessoas conhecem e amam. Mas eu sei o valor desses filmes, eles nunca deixaram de ter o valor para mim. É encarar isso com seriedade, com profissionalismo, como parte do nosso trabalho, e não como um deslumbramento ou se envaidecer com isso. Ainda mais em uma edição histórica, a 70° Edição do Festival de Berlim. Vamos estar dentro da mostra fórum - que busca filmes que tentam expandir a linguagem cinematográfica e o “Vil,mar” vai muito por aí. É um projeto e acho que fala um pouco dessa tenacidade que a gente tem que ter para fazer o cinema. Começou em 2013 com um diretor chamado Gustavo Vinagre, com quem eu já trabalhei em vários curtas e temos projetos de séries e longas. E o Gustavo um dia veio me contar essa história. A história da Vilma Azevedo! É o pseudônimo de Edivina. Vilma Azevedo era autora de romances sadomasoquistas nos anos 1970. Ela escrevia contos na seção daquelas revistas eróticas masculinas muito famosas nos anos 1970 e 1980. Ela ficou muito famosa, fazia propaganda para a Bombril, ia no Programa do Jô. Enfim, tinha lá o seu reconhecimento nesse lugar. O filme é uma grande entrevista com a Vilma e com a Edivina. Primeiro, entrevistamos Vilma, a Edivina fala como Vilma. E, depois, no meio do filme, vem a Edivina falando. E, claro, esses limites se borram. Ela não consegue fazer essa distinção, ela acha que consegue, mas no fim não consegue separar essas duas personas. E o filme lida muito com isso: até onde a gente se ‘ficcionaliza’? Qual é a nossa personagem real e o que a gente ficcinaliza da vida?. E o filme trabalha o tempo inteiro com esse limite da realidade da ficção. Tem coisas somente ficcionalizadas no filme, tem coisas que são muito reais, tem coisa que foram ensaiadas e que parece que foram espontâneas e tem coisas espontâneas que parecem que foram ensaiadas. O tempo inteiro nós vamos brincando de borrar esses limites. É uma conversa muito franca e nós todos tentando entender o universo dessa mulher que está hoje com 75 anos. E ela vai estar lá em Berlim, com a equipe, apresentando o filme.
Entrevista Nota 10 – Para finalizar, quais conselhos você daria para os calouros da formação em Audiovisual? Especialmente para quem já sabe que quer trabalhar no ramo...
Max Eluard – Além de ser produtor independente e de dirigir a TV Unifor, eu também dou aula no curso de Cinema. Sou professor de Produção e Gestão de Negócio Audiovisual. O que eu sempre falo nas aulas é que, quando vamos fazer uma faculdade com o cinema, você quer fazer sonhos virarem realidade.. Nós romantizamos muito. Acho que o importante é, desde o começo, conseguir identificar todas as peças dessa cadeia, entender o que você gosta e entender o que você pode fazer para se sustentar, para achar um horizonte profissional de desenvolvimento, de carreira e de grana. Precisamos pagar os boletos, no fim das contas, mas sem perder a perspectiva do que realmente nos move como paixão. Entender todos os elos dessa cadeia, entender como funciona cada peça. Claro que é sempre bom conseguir pagar os boletos fazendo o que a gente gosta. Mas é importante tentar fazer essa divisão, enxergar oportunidades, saber o seu objetivo final e ir construindo esse caminho.