null Data Magna no Ceará: Entenda o feriado e a importância do marco histórico na luta contra a escravidão

Ter, 26 Março 2024 14:49

Data Magna no Ceará: Entenda o feriado e a importância do marco histórico na luta contra a escravidão

Apesar da abolição no século XIX, a cultura escravocrata ainda é um sintoma desse período sombrio enraizado na sociedade  


Ceará foi a primeira província a abolir a escravidão no Brasil (Foto: Getty Images)
Ceará foi a primeira província a abolir a escravidão no Brasil (Foto: Getty Images)

Em 2011, o Ceará ganhou um feriado em homenagem ao pioneirismo do estado na libertação dos escravizados. Celebrada em 25 de março, a Data Magna relembra o dia em que foi oficializada a abolição por aqui pelo então presidente da província, Manuel Sátiro de Oliveira Dias, em 1884, quatro anos à frente da Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888.

Motivações para a abolição

Por volta de 1840, países como a Inglaterra incentivavam o fim da escravidão, visando aumentar o número de trabalhadores e consumidores, aquecendo assim o comércio. Além disso, parte da elite falava em favor dos direitos humanos, sendo contrária ao regime escravocrata.

Especialmente na década de 1870, havia um crescente movimento abolicionista em todo o Brasil. No entanto, o fator econômico contribuiu bastante para impulsionar o fim da escravidão no Ceará, conforme explica Martônio Mont’Alverne, docente do curso de Direito da Universidade de Fortaleza — mantida pela Fundação Edson Queiroz.

“Para a economia cearense, o número de escravizados não era muito significativo, como na Bahia, em Pernambuco ou no Rio de Janeiro e em São Paulo”, afirma o professor. Isso fez com que as perdas dos proprietários de escravos, em decorrência da abolição, não tivessem tanto impacto. 

Além disso, sustentar escravos era uma tarefa dispendiosa para uma região afetada pela seca e com poucos recursos. Dessa forma, o trabalho livre era predominante, tanto que o Ceará chegou a vender escravos para outras províncias por meio do tráfico interprovincial, o qual ficou ainda mais intenso quando a Lei Eusébio de Queiroz impediu o tráfico de africanos para o Brasil.

Com a proibição de trazer mais pessoas escravizadas de fora do país, a solução encontrada foi comprá-las de províncias exportadoras, como o Ceará, fato que contribuiu para que a quantidade de escravizados fosse ainda mais reduzida na região.

Ícone da luta abolicionista

Entre os grupos abolicionistas que surgiam em Fortaleza, estava a Sociedade Cearense Libertadora, cujo um dos membros sugeriu em discurso que os jangadeiros ajudassem a impedir o tráfico interprovincial.

Coube a Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde — ou Dragão do Mar, como é conhecido até hoje —, junto a outros jangadeiros, encabeçar o movimento que se recusou a fazer o transporte de escravizados vendidos para outras localidades. A atitude culminou na Greve dos Jangadeiros, vista como combustível para a abolição pioneira no país que viria em seguida.

Pela contribuição no combate à escravidão no Ceará, Dragão do Mar se tornou um grande ícone da abolição no estado e no Brasil. Ele foi convidado, junto a outros participantes do movimento abolicionista cearense, para ir ao Rio de Janeiro falar sobre a abolição no Ceará. 

Primeiro passo para a abolição

O processo de abolição teria começado ainda antes da data oficial, na Vila de Acarape, hoje município de Redenção, quando um ato concedeu mais de cem cartas de alforria a escravizados na região, em 1º de janeiro de 1883.


Monumento em Redenção faz alusão ao título de primeira localidade do Brasil a libertar escravizados (Foto: Alex Pimentel / SVM)

A cidade ficou marcada como a primeira a libertar escravizados em todo o país e, até hoje, permanece lembrada pelo acontecimento histórico, mantendo inclusive um equipamento dedicado ao resgate e ressignificação da história da escravidão no Brasil.

No Museu Senzala Negro Liberto, localizado no município, os visitantes podem entrar em uma senzala com estrutura física original da época e conhecer as condições em que viviam os antepassados negros escravizados.

Cultura escravocrata

Uma importante figura para o fim do regime escravocrata no país foi Joaquim Nabuco. O político, historiador e abolicionista comentava que a escravidão fora abolida, mas ainda viveria outros 300 anos na cultura brasileira. Mont’Alverne concorda com a premissa de Nabuco, salientando que o Brasil ainda apresenta muitos resquícios do período escravocrata.


“Somos uma sociedade que gosta de privilégios e de ser servida. As dificuldades que temos em assimilar a igualdade, sobretudo a igualdade econômica e a democracia econômica de todos, é um elemento tradutor do meu entendimento dessa cultura escravocrata que remanesce até hoje.”Martônio Mont’Alverne, docente do curso de Direito da Unifor

Para ele, o tratamento dado a pessoas que realizam trabalhos domésticos na atualidade é um traço evidente da permanência da cultura escravocrata na sociedade. Haja vista o fato de que apenas recentemente a profissão adquiriu igualdade de direitos trabalhistas em relação às demais atividades laborais.

Importância da Data Magna na atualidade

Diante dos resquícios históricos e das desigualdades ainda presentes na sociedade contemporânea, a lembrança do pioneirismo no estado e a celebração da Data Magna ganham ainda mais importância. 

Segundo o professor Martônio, os ideais de plena igualdade – sobretudo de uma cidadania econômica para todos – ainda estão por ser realizados. Assim, a data traz à tona a necessidade de reafirmar o compromisso com a construção de uma convivência mais justa e inclusiva para todos os cidadãos.