null Entrevista Nota 10: André Ítalo e a importância do olhar social crítico pelo jornalismo

Seg, 15 Abril 2024 11:33

Entrevista Nota 10: André Ítalo e a importância do olhar social crítico pelo jornalismo

O jornalista fala sobre sua carreira e a importância da profissão para a sociedade, além de comentar sua passagem pela Unifor enquanto aluno e no evento da última quarta-feira


André é especialista em mercado financeiro pela B3 e em Ciência Política pela FESPS (Foto: Rogério Vieira/Valor Econômico)
André é especialista em mercado financeiro pela B3 e em Ciência Política pela FESPS (Foto: Rogério Vieira/Valor Econômico)

“Ser jornalista é ser aquela pessoa que coloca o dedo na ferida em determinados assuntos que ninguém quer falar”. Essa definição de André Ítalo Rocha sobre a própria profissão revela um compromisso não só com a coragem, mas também com uma visão do jornalismo como uma poderosa ferramenta de análise crítica e social.

O cearense, que é subeditor do Pipeline, site de negócios do Valor Econômico, trabalha há 14 anos na cobertura de economia e política, tendo passado pelas redações do Diário do Nordeste e da Agência Estado, uma agência de notícias do jornal Estadão. Segundo ele, o papel do jornalista é fazer essa investigação minuciosa, especialmente em temas ásperos, porque “se não entrarem nesses assuntos, quem é que vai entrar? Vira tudo publicidade”.

“O jornalista acaba sendo esse ‘chato’, que vai ter um olhar crítico sobre tudo que está acontecendo [na sociedade], para que as pessoas possam ter acesso a esse tipo de informação e tomar suas decisões com um olhar mais amplo e objetivo”, declara ele, que venceu o 2º Prêmio Todavia de Não Ficção, em 2021, com o projeto de um livro-reportagem sobre o crescimento da bancada evangélica em Brasília.

Especialista em Mercado Financeiro pela B3 (bolsa de valores brasileira) e em Ciência Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), André é graduado em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza. Na última quarta-feira (10), ele voltou à sua alma mater para ministrar uma palestra em alusão ao Dia do Jornalista, celebrado em 7 de abril.

O jornalista, na ocasião, compartilhou com os participantes um pouco da sua longa experiência e trajetória na área, com foco nos segmentos de jornalismo econômico, político e investigativo. Além disso, debateu a atuação jornalística no Ceará e no Brasil, explorando os desafios, avanços e o futuro da profissão.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, André fala sobre sua carreira e a importância da profissão jornalística para a sociedade, além de comentar sua passagem pela Unifor enquanto aluno e no evento da última quarta-feira.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Quando tomou a decisão de entrar para o jornalismo? O que te fez se interessar pela profissão e querer seguir carreira? 

André Ítalo — Eu queria ser jornalista desde adolescente, desde os 11 ou 12 anos, eu já tinha esse interesse. Lembro que comecei a me interessar porque eu era uma criança e adolescente que gostava muito de esporte, de futebol, então queria fazer jornalismo esportivo. Quando fiz vestibular para Jornalismo, meu interesse era esse. Só que, no meio do caminho, as coisas foram mudando. Ao longo da universidade eu acabei me interessando mais pelo jornalismo econômico, fiz estágio em jornalismo econômico e acabei seguindo por esse caminho.

Entrevista Nota 10 — Para você, o que significa ser jornalista? Como enxerga o papel deste profissional para a manutenção de uma sociedade que seja, principalmente, mais justa e bem-informada?

André Ítalo — Acho que ser jornalista é ser aquela pessoa que coloca o dedo na ferida em determinados assuntos que ninguém quer falar. Quando você trabalha numa redação de um jornal, é muito comum que você acabe lidando com muitos assessores de empresas, políticos, governos que vão sempre tentar mostrar que as coisas estão tudo bem, que não tem problema nenhum acontecendo ou que está tudo certo. Então, o jornalista acaba sendo esse ‘chato’, que vai ter um olhar crítico sobre tudo que está acontecendo [na sociedade], para que as pessoas possam ter acesso a esse tipo de informação e tomar suas decisões com um olhar mais amplo e objetivo.

Por exemplo, se um eleitor quer decidir entre um político e outro, muito provavelmente ele vai ter acesso a todo o conteúdo positivo sobre aquele político a partir do próprio candidato. E um conteúdo mais crítico, a partir do que ele lê no jornalismo, do que, muito provavelmente, só os jornalistas é que vão falar e dar esse olhar mais analítico sobre aquele político. Mesma coisa é com uma empresa: [...] se houver algum tipo de problema relacionado a ela, isso só vai ser público se um jornalista for lá e fizer alguma coisa, porque muito obviamente a própria empresa não vai fazer uma divulgação de si nesse sentido. E o próprio consumidor também não vai ter condições de fazer essa investigação sozinho, sem tempo ou recurso.

Obviamente que esse olhar mais crítico nem sempre acontece, infelizmente. Vemos muitos jornalistas que têm um olhar mais acomodado, que às vezes não têm muita disposição para ir atrás de fazer investigações e de tocar nessa ferida. Mas eu acho que o nosso papel é basicamente esse, porque se os jornalistas não entrarem nesses assuntos, quem é que vai entrar? Vira tudo publicidade, se for assim.

Entrevista Nota 10 — Ao longo de 14 anos, você tem se dedicado à cobertura de economia e política nos diversos veículos pelos quais já passou. Como descobriu a área que gostaria de se especializar? O que foi preciso fazer para adquirir a expertise que possui hoje sobre o assunto?

André Ítalo — Quando comecei a estagiar, meu primeiro estágio foi no Diário do Nordeste, eu ainda queria jornalismo esportivo. Mas quando estava estagiando — eu comecei pela editoria de polícia, que era a que tinha vaga naquele momento — [e fui] trabalhando no dia a dia ali da redação, percebi que o caderno de economia do Diário era o que tinha mais espaço, que tinha as matérias com mais destaque, onde os jornalistas podiam trabalhar com mais tempo, que tinham matérias mais especiais. Aí eu pensei “Poxa, queria trabalhar com aquele pessoal ali, fazer aquele trabalho”. Só que eu não entendia muito de economia, mas estava afim de aprender. 

Na época, falei com a editora de economia e pedi pra ela “Olha, se abrir aí uma vaga de estágio, quando o estagiário atual se formar, eu quero estagiar com vocês”, mesmo sem ter muito conhecimento, porque percebi que tinha muito espaço ali pra trabalhar matérias mais longas e elaboradas. Estagiando lá foi que eu comecei a gostar mais, a aprender a gostar. Só que percebi também que, para poder trabalhar com jornalismo econômico, eu precisava estudar muito, porque tem muitos termos técnicos, exige um conhecimento técnico mais aprofundado.

Aí eu busquei fazer especializações, estudar muito por conta própria, comprei vários livros sobre a economia que eram mais introdutórios, depois fui comprando outros mais aprofundados, enfim. Fui fazendo esse processo meio autodidata, de ter esse estudo por conta própria, mas também buscando cursos e formações. Foi mais ou menos esse o caminho que eu tomei.

Entrevista Nota 10 — Na última quarta-feira (10), você participou do evento em alusão ao Dia do Jornalista no campus da Unifor, uma parceria com o curso de Jornalismo. Além de falar sobre sua carreira, também apontou as perspectivas da profissão no mundo atual. Poderia comentar quais são os principais desafios que os jornalistas enfrentam hoje?

André Ítalo — Entre os principais desafios do jornalismo, eu acho que é você ser um jornalista com capacidade de analisar. Especialmente com a inteligência artificial que está crescendo muito, aquele trabalho mais básico do jornalista, que é simplesmente dar uma notícia objetiva com informações mais básicas, a tendência é que, no futuro, um robô possa fazer isso.

Vamos supor que eu seja um jornalista esportivo e queira escrever uma matéria sobre como foi a partida que acabei de acompanhar. Se for pra eu fazer uma notinha contando que o jogo acabou com o placar tal; os gols foram marcados pelo fulano de tal e pelo beltrano no minuto tal; com esse resultado, o time subiu de posição tal e o outro caiu de posição tal; e na próxima rodada, os times vão enfrentar determinados outros times. Tudo isso um dia um robô vai conseguir fazer.

O que o jornalista pode se diferenciar é na sua capacidade de interpretar uma situação; de analisar uma situação e ter esse olhar crítico; de desconfiar de algumas coisas; de pensar “Eu ouvi que o fulano me disse isso, mas não é bem assim, porque eu já acompanhei esse assunto há muito tempo, então eu sei que não é assim”; se você está numa entrevista e o cara falou uma coisa estranha, você pode rebater. Só que, para isso, você precisa ser um jornalista que tem repertório, que estuda, que se aprofunda nos assuntos.

Acho que o maior desafio é ter essa capacidade de análise e esse olhar crítico, que é o que vai te dar o diferencial no dia a dia, que vai te dar credibilidade e reputação. Você pode ser um jornalista que vai dar mais notícias exclusivas porque você tem esse repertório. Ou você pode ser procurado por pessoas que têm informações exclusivas porque essas pessoas vão olhar para você como um jornalista confiável, que domina aquele assunto. Se você fizer um pedido de entrevista para alguém, essa pessoa pode aceitar ou não a depender da reputação que você tem. 

Hoje em dia, na cobertura de negócios que eu faço em economia, é muito comum que as assessorias de imprensa das empresas tentem sempre pintar uma imagem muito positiva das empresas para as quais elas trabalham. Acho que muitos jornalistas acabam comprando essas ideias: chega ali um release falando um monte de coisa sobre uma empresa, e o jornalista vai lá pegar aquelas informações e transformar numa matéria sem ter um olhar crítico. E as empresas têm, cada vez mais — os políticos também, clubes de futebol, cultura, os artistas, todo mundo —, assessores de imprensa, as pessoas que são relevantes, os atores da sociedade que são relevantes, têm seus assessores de imprensa.

E os assessores de imprensa estão muito ligados nisso, na intenção de manter uma reputação, só passar informações positivas, mandar presente para jornalista numa tentativa de criar um relacionamento bom com ele. Acho que um dos grandes desafios do jornalista é não se deixar levar por isso e não perder o olhar crítico. Posso estar entrevistando uma empresa e o cara me convida para viajar e conhecer a fábrica da empresa dele em outro lugar, aí ele paga a minha passagem, paga meu hotel, me leva para jantar.

Nisso, ele está tentando criar um relacionamento contigo, meio que tentando fazer com que você escreva bem sobre ele. Só que o jornalista não pode se deixar levar por isso, ele tem que manter o olhar crítico, ele não pode receber um release e acreditar que tudo ali é daquela forma. Se for usar as informações daquele release, ele precisa contextualizar com outras informações que não estão ali para poder entregar ao público um material mais equilibrado. 

Acho que um grande desafio é você não se deixar levar, manter esse olhar crítico, porque é isso: as empresas estão sempre tentando fazer com que você evite realizar alguma crítica a elas, os políticos também estão sempre tentando dar um jeito de que você nunca fale mal deles. Enfim, o jornalista, como eu disse na outra resposta, é o cara que põe o dedo na ferida.

Entrevista Nota 10 — E o que podemos vislumbrar para o futuro jornalístico?

André Ítalo — É um pouco do que eu já falei: o jornalista não perder esse olhar de análise. O que também podemos esperar para o futuro é uma demanda do mercado para jornalistas mais versáteis, que têm essa capacidade de escrever um texto bem escrito, de aparecer no vídeo e saber falar nele, de gravar um podcast, de participar de um programa de rádio — porque os veículos de comunicação, hoje em dia, estão muito integrados, todos têm várias plataformas de conteúdo. E o profissional que consegue ter essa versatilidade, produzir conteúdos em todas essas áreas, ele vai se dar melhor.

Ter uma especialização é muito importante para você ser essa pessoa que tem repertório, tem credibilidade e se destaca. Mas também não esquecer que, um dia, você pode precisar fazer uma matéria sobre outro assunto e ter que realizar isso sem fazer feio, né? [Por exemplo], como sou mais da área de economia e política, se um dia eu precisar fazer uma matéria de esporte, eu sei que eu não vou fazer com a mesma qualidade, mas pelo menos o mínimo ali, o básico de uma maneira razoável, preciso entregar.

Porque, no fim das contas, eu sou jornalista, e o jornalista tem que ter o mínimo de conhecimento para poder fazer pelo menos tudo de maneira razoavelmente OK. E aí, na área de especialização dele, ele vai entregar algo mais aprofundado. Mas é isso, tem essa tendência de sermos profissionais mais versáteis, ao mesmo tempo tendo uma especialização em determinado tema, que também é sempre bom.

Entrevista Nota 10 — Você é egresso do curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza, onde se formou em 2013. O que te fez escolher e ficar na instituição? Como a Unifor influenciou sua formação profissional e pessoal?

André Ítalo — Escolhi a Unifor na época porque a Universidade sempre teve uma ótima reputação. Entrei no curso em 2009, e já na época existia uma fama muito boa do curso de Jornalismo da Unifor. Na época, a estrutura da TV Unifor já era muito famosa, falávamos que para quem queria TV, era muito bom. Falava-se muito do Labjor [hoje, NewsLink], na época tinha a revista Sob Pressão, mas sempre foram produtos dentro da Universidade muito elogiados no mercado. Lembro que, como estudante, eu já ouvia falar disso. Então, a Unifor sempre foi uma universidade bem vista por mim enquanto aluno do ensino médio.

Uma das coisas mais positivas de ter feito Unifor é que é uma universidade muito voltada para o mercado. Quando entrei no mercado e comecei a trabalhar, eu percebi que ter feito Unifor fez a diferença nesse sentido, porque tinha professores do mercado, tinha os laboratórios que simulam um pouco do que acontece no mercado, tem a própria relação com o Sistema Verde Mares — onde muitos alunos do curso de Jornalismo da Unifor acabam indo trabalhar lá, como foi o meu caso. Isso foi bom também.