null Israel x Palestina: Entenda os desdobramentos do conflito

Seg, 6 Maio 2024 10:58

Israel x Palestina: Entenda os desdobramentos do conflito

Crise humanitária reforça pressão da comunidade internacional por cessar-fogo


As tensões sociais e políticas aumentam ao redor mundo no debate público sobre Palestina e Israel (Foto: Getty Images)
As tensões sociais e políticas aumentam ao redor mundo no debate público sobre Palestina e Israel (Foto: Getty Images)

Pela primeira vez, o Irã realizou um ataque a Israel a partir de seu próprio território. A ofensiva via mísseis e drones (cerca de 3 mil, dos quais 99% foram interceptados) foi uma resposta ao ataque israelense às dependências da embaixada iraniana em Damasco. O fato traz uma carga simbólica forte, que pode ser entendida como mais uma escalada de perigosa tensão. 

Até então, o poder iraniano apenas usava forças sob seu controle — como Hezbollah, Hamas (que atua na Palestina), Houthi e demais grupos no Iraque e Síria — para executar ataques ou contra-ataques a alvos israelense ou americanos na região. Dessa forma, a investida de 13 de abril mostra que certos limites foram quebrados. 

“O Irã mandou um recado forte aos seus inimigos, especialmente ocidentais, mostrando sua capacidade militar e sua nova desinibição em usá-la se necessário. Também mostrou aos seus aliados na região que podem contar com seu apoio”, analisa Philippe Gidon, mestre em Relações Internacionais e professor do curso de Comércio Exterior da Universidade de Fortaleza.

O docente observa que, ainda assim, entende-se que esse ataque e a recente contra resposta israelense em território iraniano foram “comedidos” em relação às expectativas iniciais. Isso sublinha, portanto, a pretensão das partes em não estender o conflito, pelo menos por enquanto.

Desproporção e desaprovação da opinião pública

Desde a invasão de Israel pelo Hamas, ocorrida em 7 de outubro de 2023, o secular conflito entre Israel e Palestina ganhou nova dimensão e impacto. O ataque, os massacres e a tomada de reféns chocou o mundo e levou o governo israelense a empreender sua mais feroz resposta militar em muitas décadas.

A desproporção das forças em ação permitiu a Israel rapidamente ocupar uma parte significativa da Faixa de Gaza, com os objetivos de recuperar os reféns e eliminar o Hamas, não sem provocar cenas de matança contra civis em típica guerra urbana.

Após algumas semanas de testemunhos, imagens e vídeos mostrando o tamanho da catástrofe, a opinião pública ocidental marcou sua clara desaprovação, em meio a uma crise humanitária que ia piorando a cada dia.

Nos países do Oriente Médio, a invasão foi um golpe duro em um projeto de reaproximação com Israel, iniciado alguns anos antes sob a liderança estadunidense, segundo explica Gidon. “Os Emirados Árabes Unidos, na região, lideraram esse movimento até então bem-sucedido, seguido, mesmo que de forma bem mais reservada, pela Arábia Saudita e outros países muçulmanos”, acrescenta.


“Aquela iniciativa das lideranças locais ia a revés de um apoio popular pela causa palestina e teve de ser abandonado após a invasão israelense na faixa de Gaza, levando Israel a uma posição de isolamento quase total na região e a um sério revés para a liderança norte-americana”Philippe Gidon, mestre em Relações Internacionais e docente do curso de Comércio Exterior da Unifor

A maioria dos governos desses países foram levados a reavaliar seu apoio inicialmente anunciado, com exceção do governo dos Estados Unidos, que, apesar de certas reservas sobre os meios usados, manteve franco apoio às decisões israelenses, fornecendo armas e apoio logístico.

Crise humanitária

Após seis meses de conflito, há muita controvérsia em relação a fatalidades tanto civis quanto militares. De acordo com o Hamas, organização social que comanda a Faixa de Gaza, o número de mortes passaria de 34 mil pessoas, sendo a maioria mulheres e crianças. 

“Esses números parecem ser endossados por organizações humanitárias que atuam no território; todavia, são rejeitados pelo governo israelense. De qualquer forma, demonstram a crueldade de conflitos urbanos com uso maciço de bombas e mísseis contra alvos militares ou proto-militares, como no caso do Hamas”, destaca Gidon. Quanto às vítimas militares, não há dados divulgados, seja do lado de Israel ou do Hamas. Há, no entanto, a suspeita de perdas dos dois lados.


Ataques destroem bairros inteiros na Faixa de Gaza (Foto: Yahya Hassouna/AFP)

Segundo Philippe, o maior problema israelense está no fato de ter colocado duas metas para justificar a invasão, que precisam ser atingidas para configurar vitória. A primeira reside na liberação de todos os reféns que estão nas mãos do Hamas desde 7 de outubro de 2023. A segunda meta fala em exterminação do grupo Hamas.

Até então, nenhum dos dois objetivos foram atingidos, o que deve levar a mais confrontos e, portanto, perdas civis inevitáveis, seja por meio de ataques ou devido às consequências dramáticas dos bloqueios de comida, água e remédios.

De acordo com algumas fontes locais, vários batalhões de combatentes do Hamas estão agrupados na cidade de Rafah, que faz fronteira com o Egito, junto com a população de Gaza refugiada. Há repetidos pedidos, inclusive norte-americanos, para que uma invasão nessa região seja cancelada por razões humanitárias.

Genocídio na Faixa de Gaza

Ainda em relação à crise humanitária na região, um relatório publicado pela relatora especial das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos nos territórios palestinos ocupados, Francesca Albanese, afirmou que existem “motivos razoáveis” para sustentar que Israel promove um genocídio na Faixa de Gaza.


Especialista da ONU, Francesca Albanese alerta que genocídio não é um ato, mas um processo (Foto: AAP/Lukas Coch)

Conforme análise de Gidon, a afirmação está alinhada com a reivindicação da frente dita do Sul Global, que começa a ter apoiadores mesmo que minoritários em populações de países ocidentais. Colômbia e Bolívia, por exemplo, já romperam laços diplomáticos com o país israelense.

Essa declaração de Albanese reforça a mesma acusação feita junto à Corte Internacional de Justiça e repercute muito negativamente, tanto para Israel quanto para seus apoiadores, em momento delicado de competição acirrada com lideranças ditas antiocidentais, que podem claramente instrumentalizar aquelas acusações.

“A acusação mais frequente está em apontar as hipocrisias ocidentais em matéria de crimes contra humanidade, como no caso do processo em curso contra Putin, sem, no entanto, assumir plenamente o raciocínio usado contra a agressão russa no caso da agressão israelense”, exemplifica o professor Philippe.

Estados Unidos veta adesão da Palestina à ONU

Por mais que mantenham relações semi-informais com a Autoridade Palestina, alguns países ocidentais não reconhecem oficialmente a Palestina como Estado. Essa configuração é herança do momento da criação de Israel, em 1948.

Desde então, a resistência local em reconhecer o país israelense levou a diversas guerras e inúmeros confrontos. As lideranças ocidentais têm como lema o reconhecimento de um Estado Palestino somente contra um reconhecimento pleno da existência e soberania de Israel.

Assim, a frente ocidental, especialmente liderada pelos Estados Unidos da América, tem oferecido apoio ao Estado de Israel. Os motivos são múltiplos e históricos (o genocídio promovido no continente europeu), por política interna (busca por apoio de determinados movimentos religiosos cristãos, por exemplo) e externa, assim como os jogos de poder na região do Oriente Médio, onde Israel é visto como uma natural extensão do Ocidente.


Vice-embaixador dos EUA na ONU, Robert Wood, vota contra resolução sobre adesão da Palestina na organização (Foto: Angela Weiss/AFP)

“O governo norte-americano simplesmente segue a linha adotada há várias décadas: a necessidade do reconhecimento incondicional de Israel para que o Estado da Palestina possa ser reconhecido”, frisa Gidon. 

Foi devido a esse contexto que no dia 18 de abril, em votação na ONU sobre a candidatura palestina à adesão plena à organização, os EUA vetaram a resolução. O país alegou que o Estado Palestino deve ser estabelecido em negociação direta entre Israel e Autoridade Palestina, não por intermédio da ONUasdasdaas

Persona non grata

O posicionamento do governo brasileiro, sob a liderança do presidente Luís Inácio “Lula” da Silva, está claro desde o início desse conflito: rejeita-se o uso da força em qualquer circunstância, devendo-se sempre priorizar a resolução de conflitos via negociação, que Lula, inclusive, já se propôs em liderar. Todavia, o presidente foi repetidamente acusado de possuir um viés pró-palestino, que o impediria de assumir uma postura neutra esperada em tais iniciativas.

“Lula assumiu e tentou explicar seu posicionamento usando imagens e comparações infelizes [com o Holocausto] que levaram o governo israelense a declarar o presidente brasileiro ‘persona non grata’. Eliminaram-se, portanto, qualquer possibilidade do Governo brasileiro em servir de ponte para uma solução pacífica”, assegura Gidon.

O professor comenta ainda que as declarações brasileiras deixaram as lideranças ocidentais em polvorosa, levando a mais críticas e dúvidas quanto à credibilidade brasileira no âmbito do confronto global em curso. Ele diz que havia certa esperança de que o Brasil pudesse ser uma voz, senão plenamente pró-ocidental, pelo menos um porta-voz de razoabilidade junto ao campo antiocidental liderado por China e Rússia.

“Essas declarações pró-palestinas, somadas a outras anteriores do presente governo, a favor de reformas nos palcos políticos, econômicos e monetários condizentes com a agenda BRICS, tendem a gerar uma reconsideração quanto à natureza da relação do Ocidente com o Brasil”, analisa o professor Philippe.

Possibilidade de cessar-fogo

No último dia 28 de abril, Israel anunciou uma proposta envolvendo 40 dias de cessar-fogo e a liberação de milhares de prisioneiros palestinos em troca da liberação dos reféns israelenses. O Hamas inicialmente refutou a proposta. Entretanto, esteve em reunião no Cairo com autoridades egípcias, para considerar a possibilidade de um cessar-fogo, insistindo na necessidade de uma total retirada do exército israelense da faixa de Gaza.


Até um cessar-fogo ser aprovado, o conflito segue sem previsão de fim (Foto: Jack Guez/AFP)

O Secretário de Relações Exteriores dos EUA, Anthony Blinken, deu apoio à proposta, que considerou muito generosa e apelou para que seja aceita, mesmo ponderando sobre a necessidade de mais abertura para a ajuda humanitária.  

“Todavia, o cessar-fogo, mesmo sendo aceito pelas partes, só configura o primeiro passo de uma difícil negociação para a resolução do impasse atual. Qualquer evento ou reviravolta na disposição das lideranças envolvidas, os confrontos militares reiniciarão”, analisa Philippe.

O docente ressalta ainda que tanto os Estados Unidos Árabes quanto o Qatar e o Egito já mediaram cessar-fogo, o último deles em novembro de 2023. O acordo em questão levou a uma pausa de uma semana nos combates, durante a qual o Hamas libertou mais de 100 reféns e Israel soltou cerca de 300 prisioneiros palestinos. Os confrontos militares retomaram logo depois da pausa.

O cessar-fogo é, portanto, um primeiro passo necessário para a resolução do conflito, mas não constitui uma garantia — que depende essencialmente das partes envolvidas usarem esse momento não para reforçar suas posições, mas sim para se engajarem em um processo de negociação que consiga gerar uma paz sustentável, e não apenas uma pausa entre duas batalhas”, reforça Gidon.