null Obras de Hector Carybé da Fundação Edson Queiroz são objeto de estudo de pesquisadora da UFRJ

Seg, 9 Outubro 2023 17:26

Obras de Hector Carybé da Fundação Edson Queiroz são objeto de estudo de pesquisadora da UFRJ

A semióloga Waldelice Souza veio à Unifor para pesquisar mais sobre os painéis entalhados em madeira dos orixás baianos, produzidos pelo artista, que estão expostos no hall da Biblioteca


Carybé tem uma vasta produção voltada para a cultura afro-brasileira como os dez painéis que fazem parte da Coleção Fundação Edson Queiroz (Foto: Ares Soares)
Carybé tem uma vasta produção voltada para a cultura afro-brasileira como os dez painéis que fazem parte da Coleção Fundação Edson Queiroz (Foto: Ares Soares)

A Fundação Edson Queiroz, mantenedora da Universidade de Fortaleza, é reconhecida nacionalmente por possuir um dos mais importantes e abrangentes acervos de artes visuais do País, com mais de 900 obras. A Coleção Fundação Edson Queiroz contempla trabalhos produzidos entre os séculos XVII e XXI, compreendendo as mais distintas escolas artísticas, do barroco ao contemporâneo, abarcando ainda o modernismo e o abstracionismo. Além disso, a Unifor abriga a Biblioteca Acervos Especiais, que conta com um acervo de cerca de 11 mil livros, muitos dos quais raros das mais diversas áreas e períodos. 

Entre os inúmeros artistas nacionais e estrangeiros presentes no acervo está o pintor, gravador, desenhista, ilustrador,ceramista, escultor, muralista, pesquisador, historiador e jornalista argentino, Hector Carybé. Brasileiro naturalizado, viveu no Brasil de 1950 até sua morte, em 1997, onde dedicou boa parte da sua produção artística para a representação da cultura afro-brasileira, enfocando seus ritos e orixás, divindades cultuadas no candomblé, religião de matriz africana presente no Brasil, sobretudo em Salvador (BA), cidade que ele adotou como casa.

Uma das mais representativas obras de Carybé presentes na Coleção Fundação Edson Queiroz são os dez painéis com esculturas dos orixás baianos em relevo, datados de 1962. Foram essas peças entalhadas em madeira que trouxeram a semióloga Waldelice Souza à Unifor. A produtora cultural e docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) está em pesquisa, em cooperação técnica, no Museu Afro-Brasileiro (Mafro) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), pesquisando esse signo artístico de Carybé, representado em obras produzidas ao longo de 30 anos debruçado sobre a cultura afro-brasileira. 

“Os dez orixás, produzidos em 1962, estão exatamente nessa linha de tempo desses 30 anos, de 1950 até 1981. Essas peças são todas voltadas para entender essa temática dos orixás, do candomblé, esses painéis estão no cerne. Então, vir aqui era quase uma obrigação para me deparar com elas, ver elas ao vivo, sem intermédio de fotos, porque isso altera a percepção e a informação”, destaca a pesquisadora.

Waldelice esteve na Unifor de 25 a 29 de setembro de 2023, onde fez registros fotográficos, coletou informações sobre os painéis e pôde observar detalhes das icônicas obras. Os dez painéis estão expostos no hall da Biblioteca, disponíveis para apreciação da comunidade acadêmica e visitantes. 

“As obras da Coleção Fundação Edson Queiroz, além de serem apreciadas por visitantes das diversas exposições realizadas no Espaço Cultural Unifor e em museus brasileiros e estrangeiros, também são objeto de investigação científica, haja vista seu imenso valor artístico e cultural. Por essa razão, com frequência, o campus da Unifor recebe pesquisadores que vêm estudar in loco essas obras, assim como livros da Biblioteca de Acervos Especiais. Esse intercâmbio representa a associação da extensão não apenas com o ensino, mas também com a pesquisa”, destaca o coordenador da Vice-Reitoria de Extensão da Unifor, professor Thiago Braga.

Segundo Waldelice, apesar de a Bahia reivindicar Carybé como baiano e os paulistas dizerem que ele é brasileiro, o préstimo que o artista nos traz serve para baianos, para cearenses, para pernambucanos, para piauienses, pois reconhece um tipo de cultura que ele mesmo produz em obra de arte. 


“Cultuar os orixás não é algo específico dos baianos, talvez seja mais forte, mais cadente, mais expressado pelos baianos, mas termina sendo uma característica da cultura brasileira. Então, ter essas peças aqui na Unifor é importante porque, certamente, deve ter acolhimento de parcela importante da população local, além de cumprir o papel de imaginário nacional. Achei muito bacana encontrar esses painéis aqui e fico feliz de eles estarem tão bem conservados” - Waldelice Souza, produtora cultural e docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro

As várias facetas de Carybé

Além dos painéis dos orixás entalhados em madeira, a Fundação Edson Queiroz possui outras obras de Hector Carybé em seu acervo, como a pintura Ocorrência, óleo sobre tela, de 1980. Ademais, a Biblioteca Acervos Especiais abriga três livros raros com ilustrações do artista. São eles: Carta a el rey Dom Manuel (1968); Carybé apresentado por Jorge Amado, da coleção Mestres do Desenho (1961); e Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (1957), de Mário de Andrade.

Publicado em 1968, o livro Carta a el rey Dom Manuel, que retrata a famosa carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel I, de Portugal, é uma edição feita com a colaboração do Banco da Bahia, em homenagem ao quinto centenário do nascimento de Pedro Álvares de Cabral. Trata-se da versão de Rubem Braga com desenhos de Carybé. O fac-símile e demais ilustrações foram tiradas do livro “História da colonização portuguesa no Brasil”, da editora Lusitana do Pôrto, de 1921. 

O exemplar do álbum “Carybé apresentado por Jorge Amado”, que integra a coleção Mestres do Desenho, constitui-se um dos cem primeiros da série especial. A obra contém 13 reproduções de desenhos do artista e foi publicada pela editora Cultrix em 1961.


O livro “Macunaíma: o herói sem nenhum caráter”, que está na Biblioteca Acervos Especiais, contém 42 águas-fortes originais de Carybé (Foto: Ares Soares)

O raro exemplar da obra Macunaíma: o herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade, foi lançado em 1957 e pertence à coleção Ciccillo Matarazzo Sobrinho, que hoje reside na Biblioteca Acervos Especiais da Universidade de Fortaleza. O livro é a décima primeira publicação da Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil e contém 42 águas-fortes (calcogravura - gravura feita usando uma matriz de metal) originais de Carybé. 

Mais sobre o artista

Nascido em 1911 na pequena cidade de Lanús, subúrbio de Buenos Aires, Hector Julio Páride Bernabó, mais conhecido pelo seu nome artístico Carybé, mudou-se definitivamente para Salvador em 1950, após várias viagens para a capital baiana. Lá, desenvolveu uma intensa relação com a cultura e com os artistas locais. As manifestações culturais locais, como o candomblé, a capoeira e o samba de roda, são uma marca da sua obra. 

Destacam-se entre suas produções sobre a Bahia a Coleção Recôncavo, uma de suas primeiras publicações pensando o estado; o painel que esteve por muito tempo no aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova Iorque; o Mural dos Orixás, realizado para o Banco da Bahia e exposto no Mafro, por comodato, composto por 27 pranchas esculpidas em cedro representando os orixás do candomblé; e o livro Iconografias dos Deuses Africanos da Bahia, publicado em 1981, considerado por muitos como sua grande tese.


De 1950, quando se mudou para Salvador, até sua morte, Carybé produziu mais de 5 mil obras sobre a cultura baiana (Foto: Divulgação)

Ao longo da sua vida, transitou por diversas expressões artísticas como pintura, gravura, desenho, ilustração, cerâmica, escultura e murais. O artista que já recebeu alcunhas como “Capeta Carybé” e “Mestre Carybé”, recebeu, em 1982, o título de Doutor pela UFBA, outorgado pelo então Reitor Luiz Fernando Macêdo Costa. A solicitação à concessão do título veio da Congregação da Escola de Belas Artes, por reconhecer Carybé como artista que se destacou, engrandeceu e inovou nas artes plásticas da Bahia.

Carybé morreu aos 86 anos, no dia 1º de outubro de 1997, em Salvador, deixando como legado mais de cinco mil trabalhos, entre pinturas, desenhos, esculturas e esboços. Além de ter realizado exposições no Brasil e no exterior, o artista continuou sendo homenageado em diversas exposições póstumas em importantes museus e galerias de arte brasileiras.