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Seg, 6 Maio 2024 11:37

Entrevista Nota 10: Fabien Bottini e o direito ambiental como ferramenta para a sustentabilidade

Doutor em Direito Público, o professor titular da Universidade de Le Mans fala sobre o papel do Estado na preservação do meio ambiente, assim como questões jurídicas que englobam o desenvolvimento socioeconômico sustentável


Fabien é membro da Themis-UM e associado da LexFEIM, focando sua pesquisa na transformação do direito público induzida pela racionalidade econômica desde os anos 1980 (Foto: Ares Soares)
Fabien é membro da Themis-UM e associado da LexFEIM, focando sua pesquisa na transformação do direito público induzida pela racionalidade econômica desde os anos 1980 (Foto: Ares Soares)

Com o acelerado avanço das consequências causadas pela degradação da natureza, o direito ambiental cresce como uma ferramenta essencial no combate aos impactos climáticos e na promoção da sustentabilidade. Isso porque a legislação ambiental vem, cada vez mais, desempenhando um papel central na cobrança, incentivo e transformação de práticas jurídicas mais sustentáveis para empresas e sociedade.

Juristas do mundo inteiro vêm se debruçando sobre o assunto, e na Universidade de Fortaleza — mantida pela Fundação Edson Queiroz — não seria diferente. O Grupo de Pesquisa em Relações Econômicas, Políticas, Jurídicas e Ambientais na América Latina (REPJAAL), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD) da Unifor, é um desses casos onde não só alunos e docentes se reúnem, como também recebe convidados internacionais para debater a relação entre direito e meio ambiente.

No mês de abril, por exemplo, o grupo recebeu o francês Fabien Bottini, doutor em Direito Público e professor da Universidade de Le Mans e da Cátedra de Inovação do Instituto Universitário da França. Durante o evento, o convidado e os demais participantes discutiram uma “Análise Constitucional, Socioeconômica e Ambiental”, assim como outros tópicos derivados desse guarda-chuva temático.

Fabien é membro do laboratório interdisciplinar Themis-UM e associado do laboratório de pesquisa LexFEIM. Também é fundador e diretor da coleção “Law & Ecolomie” das edições Legitech, bem como criador e apresentador da seção “Dév-éco” das edições WEKA.

Autor de vários trabalhos, incluindo uma tese sobre “A protecção criminal dos decisores públicos” (LGDJ 2008), um ensaio sobre “O serviço público do desenvolvimento econômico” (LGDJ 2019), outro sobre “A economia de acção do autoridades públicas: as suas questões, a sua lei, os seus intervenientes” (IFDJ-Legitech 2020) e dois manuais: um sobre “Direito dos serviços públicos” e outro sobre “Contencioso administrativo” (ambos publicados pela BREAL, em janeiro de 2023).

Na Entrevista Nota 10 desta semana, Fabien fala sobre o papel do Estado na preservação do meio ambiente, assim como as demais questões jurídicas que englobam o desenvolvimento socioeconômico sustentável.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Desde a crise sanitária do coronavírus, seu trabalho centra-se na “economicização” — entendida como a implementação do Estado de direito ao serviço da transição ecológica, de uma forma que se enquadre numa perspectiva de desenvolvimento econômico sustentável. Qual o papel que o estado atual deve ter na preservação da natureza, no sentido de incentivar um crescimento econômico mais responsável, sustentável, que não represente um dano ambiental?

Fabien Bottini — O Estado deve mobilizar os instrumentos jurídicos e orçamentários à sua disposição de duas maneiras complementares. Em primeiro lugar, deve usá-los para acelerar o redirecionamento da lógica competitiva do mercado a serviço do sucesso da transição ecológica. Isso significa, em particular, que ele deve aumentar as obrigações de responsabilidade social e ambiental das empresas, assegurando a eficácia das medidas chamadas de “compliance”.

Em segundo lugar, em certas áreas, o Estado ou suas subdivisões certamente terão que recorrer mais às empresas públicas ou aos serviços públicos para assumir eles mesmos uma série de atividades de interesse geral necessárias para o sucesso da transição, quando os operadores econômicos forem incapazes de alcançar os objetivos.

Entrevista Nota 10 — Você está lançando aqui a 2ª edição do livro “L'action économique des collectivités publiques” (“A ação econômica das autoridades públicas”, sem tradução no Brasil), pela editora Bruylant. Como a obra avalia a posição do Estado ou de coletividades públicas diante da economia e preservação do meio ambiente?

Fabien Bottini — Por um lado, minha nova obra mostra que estamos passando por uma mudança de paradigma. Considerando que, desde os anos 1970, os Estados mobilizavam seus recursos principalmente para garantir seu crescimento econômico, desde a crise sanitária eles começaram a mobilizá-los mais, de forma a contribuir ativamente no sucesso da transição ecológica, para cumprir seus compromissos com o Acordo de Paris.

Por outro lado, o livro mostra que essa evolução ainda é frágil. De fato, pode haver resistências significativas a essa transformação, em partes porque algumas empresas ainda estão apegadas à ideia de que “a única responsabilidade social da empresa é gerar lucro” (Milton Friedman), e não em contribuir ativamente para a proteção do meio ambiente.

Além disso, existe um risco real de discrepância entre o direito formal, como existe nos textos ou na jurisprudência, e o direito real, como é praticado na realidade social. Esse é um ponto importante de vigilância, pois é necessário que os Estados desenvolvam ferramentas eficazes de avaliação e controle para garantir que o direito real corresponda adequadamente ao direito formal.

Entrevista Nota 10 — Na sua opinião, como os governos (principalmente em países periféricos, como o Brasil) podem conciliar crescimento econômico, desenvolvimento humano, especialmente a garantia de direitos sociais, e sustentabilidade ambiental? 

Fabien Bottini — Em primeiro lugar, é importante que os Estados adotem uma abordagem verdadeiramente sistêmica em suas ações. Pois, para alcançar o objetivo do Acordo de Paris, eles devem agir simultaneamente em várias frentes e ativar diversos mecanismos ao mesmo tempo. Um mecanismo importante de ação envolve a subsidiariedade entre o nível federal e os estados federados, no caso do Brasil. Parece importante, de fato, fortalecer os meios de ação dos governos locais, que estão na linha de frente contra os efeitos negativos do desequilíbrio climático.

Isso implica, portanto, em fortalecer seus recursos humanos e a qualificação de seus agentes, bem como seus recursos orçamentários e financeiros. O que levanta, em todos os casos, a questão do financiamento da transição ecológica e do uso de impostos como meio de assegurá-la, sabendo que o dinheiro público por si só não será suficiente: é necessário alavancar os investimentos públicos para que eles atraiam investimentos privados.

Entrevista Nota 10 — De 15 a 18 de abril, você participou do Seminários Especiais Internacionais, que fez parte das atividades do Grupo de Pesquisa em Relações Econômicas, Políticas, Jurídicas e Ambientais na América Latina (REPJAAL) do PPGD da Unifor. Como vê iniciativas como essa, que discutem temáticas que englobam os direitos fundamentais, incluindo tópicos como degradação ambiental, direitos da natureza, exclusão e concentração de renda?

Fabien Bottini — Tais iniciativas são indispensáveis por duas razões. A primeira é que a educação tem um papel a desempenhar na “conscientização” dos desafios futuros que se aproximam e da responsabilidade individual de cada um para superá-los. Por outro lado, é necessário formar juristas que sejam especialistas nessas questões, para que possam auxiliar na tomada de decisões sobre as medidas a serem tomadas tanto no setor privado quanto no setor público e para controlar a conformidade de suas ações com suas obrigações, de modo que o direito formal, sobre o qual eu falei há pouco, esteja em conformidade com o direito real.

Entrevista Nota 10 — A Unifor e a Le Mans Université, universidade da qual o senhor faz parte, firmaram um acordo de cotutela de atividades acadêmicas, que permite a dupla titulação dos alunos da Universidade. Qual a relevância desse acordo de cooperação técnica, principalmente para os mestrandos em cursos como o Direito, do qual o senhor é professor titular?

Fabien Bottini — Esses acordos são hoje indispensáveis para que as experiências de cada um enriqueçam o conhecimento do outro sobre os efeitos negativos do desequilíbrio climático e do colapso da vida, bem como as medidas que funcionam para enfrentar seus desafios.

São ainda necessários — em um contexto geopolítico tenso, caracterizado por uma fragmentação do grande mercado mundial — se quisermos que a ciência desempenhe seu papel de apoio na tomada de decisões para os decisores públicos e privados do mundo. Pois a urgência não está no agravamento dos conflitos políticos interestatais, mas sim na colaboração entre os Estados se realmente quisermos ter sucesso na transição ecológica. No nível local, aliás, percebo que o cidadão na linha de frente das consequências negativas do desequilíbrio climático está mais interessado em colaborar com o Estado do que em se opor [a isso].